São Paulo, quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

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CONTAGEM REGRESSIVA

Réveillon no Rio abençoa os pecados que virão em 2008

Além de perdoar pecados de 2007, Iemanjá de Copacabana garante bônus para as faltas do ano seguinte

Bruno Domingos - 28.nov.2007/Reuters
Vista aérea da praia de Copacabana


RUY CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA

Tem sido um programão nos últimos 12 ou 13 anos: sair de casa, no final do Leblon, por volta de quatro da tarde de 31 de dezembro, e ir a pé pelo calçadão à beira-mar -em marcha firme, mas parando às vezes para apreciar as modas, falar com os amigos ou beber a paisagem- até o Leme, deixando para trás as curvas e os quarteirões de Ipanema, do Arpoador e de Copacabana.
Em lá chegando, bater o pé na pedra do Leme e voltar no mesmo passo para o Leblon, talvez mais devagar, até pela barreira humana mais difícil de vencer. Sim, porque, na ida, você tinha 1 milhão de pessoas na orla. Na volta, já são 2 milhões.
Duas horas e tal para ir, outras tantas para voltar, uns 20 quilômetros no total -é um belo aquecimento para a noite propriamente dita, se você estiver com o tênis certo, os foles em dia e for bom de caminhada.
Desde o meio-dia já não há carros nas pistas -ninguém rola mais pelas avenidas Atlântica, Vieira Souto e Delfim Moreira. Elas pertencem agora aos pedestres, e o espetáculo no fim da tarde se parece com o da antiga geral do Maracanã: gente fantasiada de todo tipo, mulheres bronzeadas, outras não tão lindas (não há mulheres feias no Réveillon), ambulantes às centenas e atmosfera de quermesse, com 20 línguas e sotaques ao alcance dos ouvidos.
Na grande sala de estar em que Copacabana se torna, o clima é de franca confraternização, a paquera rola solta entre as tantas cores de pele e há espaço e tempo para beijos e afagos até entre desconhecidos.
Mas, pensando bem, esses não existem: os conhecidos se reconhecem, e os desconhecidos passam a se conhecer.
Um pulo em casa para o banho, beliscar alguma coisa e jogar um branco em cima do corpo, antes de pôr de novo o pé no asfalto em busca de Copacabana. Mas, agora, as pernas e o tempo só dão para ir até o posto 6. Não importa. Da esquina da praia com Joaquim Nabuco ou Rainha Elizabeth, pode-se ver o semicírculo de luzes e -o clichê é inevitável- o mar de gente que brota das ruas transversais, como quem abre as comportas de um dique. Dentro em pouco seremos 3 milhões.
Já vi esse espetáculo de cima muitas vezes e sempre me impressionei. Agora, eu próprio saio das ruas laterais, no meio da enchente humana, e o espetáculo é tão impressionante quanto. Aliás, a simples visão de Copacabana, quando se revela a quem vem de Ipanema -tanto o perfil de muralha dos edifícios quanto as cadeias de montanhas no horizonte, com seus infinitos subtons de azul e gris-, nunca deixa de me arrebatar, por mais que passe por ali, várias vezes por semana.
Claro que na noite de 31 de dezembro é tudo diferente. À nossa frente, à meia-noite, subirão os fogos disparados das balsas além da arrebentação.
O espetáculo durará 20 minutos inesquecíveis, regado a "Cidade Maravilhosa" e champanhe. Às nossas costas, os apartamentos da avenida Atlântica, ardendo em festas, cheios de mulheres chiques e de muitos dos homens mais charmosos ou poderosos do país. E não creia nessa história de que ricos acham tudo um tédio e não sabem se divertir.
Mas o gostoso agora é voltar sem pressa para casa, a pé, misturado aos que fazem do Réveillon do Rio o mais criativo, divertido e seguro do mundo -pelas horas seguintes, e até de manhã, considerando-se a quantidade de gente bebendo, praticamente nem uma briga, nem uma carteira batida e, que decepção, nem uma bala perdida! (O que dirão turistas encantados pela lenda de que o Rio é um tiroteio permanente?) Mas esta é a verdade: se alguém ali estiver sujeito a morrer de alguma coisa, só se for de amores.
Já homenageada de véspera pelos seus verdadeiros fiéis, Iemanjá engole os milhões de flores que lhe são atiradas e devolve um hálito de brisa marinha e perfumada, que nos redime dos pecados de 2007 e nos abençoa para os pecados de 2008. Esta é a noite dos infiéis.


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