São Paulo, segunda-feira, 21 de abril de 2003 |
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Ornitólogo reconhece canto de 700 pássaros
MARGARETE MAGALHÃES DA REPORTAGEM LOCAL Ele diz ter 700 cantos de passarinhos na cabeça e foi o primeiro na América Latina a gravar sons de aves, em 1958. A relação entre o ornitólogo Johan Dalgas Frisch, 72, e os pássaros começou com estilingadas, antes de o pai, Sven Frisch, que era pintor, sugerir que usassem o conhecimento para criar um guia. Surgiu, então, "Aves Brasileiras", uma das raras obras que auxiliam os "bird watchers" brasileiros a reconhecerem aves. As primeiras edições, de 1964 e de 1980, estão esgotadas. Frisch deve lançar a terceira edição, com 40 mil cópias, em outubro deste ano. Nela, as ilustrações das aves passam de 1.564 para 1.800. Haverá mapas sinalizando a região no Brasil onde é possível encontrá-las, além de fotografias e desenhos de 125 árvores que atraem passarinhos. PANTANAL - "Fui umas 50 vezes. Conheço o Pantanal desde 1948. Naquela época você não entrava sem ser convidado. Em agosto, setembro, o Pantanal inteiro é uma sinfonia, é uma orquestra. Em outubro começam as chuvas, as aves continuam cantando. Nos meses de seca, as lagoas enormes abaixam de nível, são lagoas de quilômetros, cheias de peixes, com uma nuvem de garças, curicacas, cegonhas, tuiuiús." GRAVAÇÃO - "Gravei pássaros
em 1958. O pessoal gravou 20
anos depois de mim. Meu pai
[Sven Frisch] os desenhava. A
gravação do "Canto de Aves do
Brasil" [CD com gorjeio das principais delas] foi feita no rio Miranda e no Caiman, que naquela época era chamado Miranda Estância. Na época, gravei uns cem pássaros lá. Fui o primeiro a gravar
passarinhos na América Latina." ESTILINGUE - "Naquele tempo eu
não tinha condição de comprar
um binóculo. Em 1945, era coisa
de bilionário. Caríssimo! Eu tinha
14 anos e queria ver passarinho de
perto. Nos livros, só havia 200 desenhados. Então, aprendi a atirar
com estilingue. Paft! Matei uma
pardoca [feminino de pardal].
Trouxe para casa, mostrei para
meu pai e levei uma surra." DOM - "Um passarinho cantou,
não esqueço jamais. Não digo que
sei os 1.800 porque muitos só dão
um piado. Mas aqueles que têm
um canto propriamente dito, como o sabiá, que tem uma música,
uma mensagem, estão todos gravados. Uns 700 estão na cabeça." CONCEITO - "O americano está muito preocupado em identificar a ave; o brasileiro, em entender a mensagem do canto da ave. O conceito é diferente. O brasileiro é muito poético. Eles [americanos, europeus] são [observadores] para dizer: "Vi o passarinho marca tal, tipo tal". Aqui não, [o brasileiro] aprecia o canto. O grande observador não é aquele que pega um livrinho e escreve: "Eu vi cinco". Mas o sitiante e o fazendeiro que sentam na cadeira à tarde, no rancho, e apreciam o pôr-do-sol, ou aquele que levanta cedinho para ouvir passarinhos." "BIRD WATCHERS" - "Hoje você compra binóculos de plástico que antigamente custavam US$ 1.500. O interesse é muito grande. O problema é que não tem guia de identificação. A pessoa vê um passarinho e quer um livro portátil à mão para reconhecê-lo. No meu guia, a pessoa pega os cardeais e galos-de-campina na mesma página. É como um catálogo de cores. Vermelho-escuro, vermelho-claro, você escolhe a cor exata e mata na hora. Simples." ALERTA - "As aves estão acabando. Nos últimos anos fiz um estudo sobre as árvores que farão os passarinhos voltarem à cidade. São Paulo, que tinha umas 200 espécies de aves em 1964, tem dez. É a cidade que tem mais bem-te-vi e sabiá. Fiz o livro [nova edição, a ser lançada em outubro] com 125 árvores que atraem passarinhos. Para que a passarinhada volte, precisamos de 50% de vegetação que os atraia: uma amoreira, ameixeira, pitangueira, mamoeiro. Uma guaçatonga, por exemplo, atrai 150 espécies de aves." CANTO DO SABIÁ - "As crianças nas grandes cidades não ouviram o sabiá cantar. O pássaro é a expressão musical. Na formação de um jovem, ele tem de ouvir um sabiá cantar. Temos de fazer os pássaros voltarem às cidades para que a nova geração ouça, no clarear do dia, as aves cantarem." AVE NACIONAL - "Levei 35 anos
de luta para fazer o sabiá ser a ave
nacional [o que ocorreu no ano
passado]. Pedi ao Costa e Silva
[presidente de 1967 a 1969], em
1968. Em 1995, pedi para o Fernando Henrique. No dia 2 de outubro do ano passado, cantei os
ministros. Disse para o Euclides
Scalco [ex-secretário-geral da
Presidência]: "Temos que fazer do
sabiá a ave nacional do Brasil"." |
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