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OLHA O PASSARINHO
Turistas podem acompanhar jornadas, nas quais peões conduzem gado de uma pastagem a outra
Onça e assombração "seguem" comitivas
DA ENVIADA ESPECIAL AO PANTANAL
Sentados à beira de um lago,
observados por um pacato jacaré,
os peões tomam tereré e contam
os causos de seus encontros com
as onças e com as almas.
A cena se repete constantemente para os homens que lidam com
o gado no Pantanal. É o momento
do descanso, da diversão, em
meio a duros dias de trabalho.
Para os peões de comitiva, é a
interrupção do compassado passo a cavalo que toca os bois, hora
de parar de usar o berrante -cada som significa um movimento
ou ação a ser feito-, de conversar
com o companheiro de empreitada, de esticar as pernas antes de
mais uma longa jornada.
As comitivas são viagens que os
peões fazem com o gado para levá-lo a outros pastos ou buscá-lo
de locais distantes para vacinação
e marcação. O gado no Pantanal
geralmente é criado de forma extensiva -o nelore foi o que melhor se adaptou. Em algumas fazendas, os turistas podem acompanhar essas viagens para conhecer o cotidiano pantaneiro.
Nas comitivas, viajam poucas
pessoas. Cada membro tem sua
função. O ponteiro segue na frente; no meio, viajam os meeiros; o
culateiro vai atrás; e os fiadores,
dos lados, ajudam a virar os bois.
Figura imprescindível, o cozinheiro é sempre o primeiro a chegar às paradas. Ele é o responsável
pela montagem do acampamento
e, é claro, pela comida, à base de
carne-seca ou de sol.
O peão se alimenta com simplicidade. Se o cozinheiro for bom,
ele oferece no café da manhã quebra-torto -resto do jantar. Senão, apenas café.
Os peões costumam sair antes
de amanhecer e só param para as
refeições e para tomar o tereré
-bebida igual ao chimarrão, só
que tomada fria e apreciada tanto
pelos pantaneiros como seu "parente" o é pelos gaúchos. Os
membros da comitiva aproveitam a parada do almoço para trocar de cavalo -cada peão leva
duas ou três montarias.
O tocar do gado é compassado,
mas tenso. É preciso atenção para
que nenhum boi escape. Por isso
os cavaleiros precisam ter muita
habilidade. Eles não usam cela,
mas arreio. A peça torna o equilíbrio mais difícil, pois quem monta deve abrir mais as pernas.
O cavalo tem de ser forte. Para
deixá-lo apto ao serviço pesado, o
pantaneiro costuma "nadar a tropa", ou seja, fazer o animal nadar
durante a travessia de um lago.
A força da montaria também é
necessária para aguentar a tralha
dos peões. Entre laços, machetes
(facões), calça de couro, guampa
(cuia) para tereré, capa de chuva,
cantil e outros apetrechos, eles
chegam a carregar até 50 quilos.
As comitivas têm duração variável, mas podem se alongar por
dois meses. Normalmente, os
peões cuidam de entre mil e 2.000
cabeças de gado e andam cerca de
10 km por dia. À noite, dormem
em acampamentos, que só não
são usados quando os peões são
acolhidos em galpões de fazendas.
Para cuidar do gado, revezam.
Sempre há um de olho nos "fujões" ou em quem possa querer
roubá-lo. Nessa hora aflora uma
das características mais admiráveis do pantaneiro, a imaginação.
Todos têm histórias para contar
de sua relação com as "almas do
outro mundo". Uma das lendas
que embalam as noites é a de que,
antigamente, os fazendeiros enterravam seu dinheiro.
Para tomar conta da fortuna,
matavam um funcionário cuja alma se tornaria guardiã do tesouro. Assim, cada nova porteira pode ter uma alma.
Outra preocupação constante é
a iminência de um encontro com
a onça-pintada, que corre risco de
extinção. Ela já foi o terror dos fazendeiros quando causava perdas
na criação. Hoje, além de ser atrativa para os turistas, é apenas motivo de tensão para os peões.
Como as assombrações, todos
têm uma história para contar sobre o seu encontro com a onça.
"Eu estava cuidando do gado à
noite na comitiva e senti falta de
um boi. Fui atrás e encontrei a onça comendo o bicho", lembra Edson Aquino, o Macarrão, que aos
23 anos já viajava em comitiva.
Os mais velhos lembram histórias de quando a onça era o terror
dos patrões. Se ela estivesse em
uma árvore, levava um tiro. Se estivesse no chão, o peão pegava
uma zagaia (lança) e esperava o
animal tentar lhe dar o bote para
enfiá-la em seu pescoço. Ainda se
mata onça no Pantanal, mas com
o aumento do turismo na região,
ficou interessante para os fazendeiros tê-las por perto.
(MARIANA LAJOLO)
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