São Paulo, segunda-feira, 23 de setembro de 2002

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FERNANDO GABEIRA

Adivinhem o que vão fazer nesse verão

"A taques terroristas surgem de surpresa. As guerras costumam se anunciar com uma sucessão de ultimatos e manobras diplomáticas. Essa história do ataque norte-americano ao Iraque, com direito a debate no Conselho de Segurança da ONU, vai afetar a todos, mas alguns países, como o Brasil, mantêm-se discretos.
O primeiro impacto da guerra no turismo talvez seja psicológico: medo de atentados terroristas pode prender as pessoas em casa. Mas o segundo impacto, de grandes repercussões, seria o possível aumento do preço do petróleo, que chegou a US$ 29 por barril, apenas com a ameaça de George W. Bush.
O Brasil já disse na ONU que as ações armadas devem ter respaldo internacional. Mas é tímido no planejamento nacional para o caso de uma guerra.
Nosso presidente, que chama os candidatos à sucessão para discutirem o acordo com o FMI, não se anima a chamá-los para falar do Iraque e suas consequências no interior de nossas fronteiras.
Você pode objetar que minha crítica seja voluntarista. Afinal, que peso tem um país do porte do Brasil para deter a marcha insensata da história? Se Nelson Mandela pensasse assim na sua África do Sul, não teria se movimentado tanto, escrito cartas para Bush, concedido entrevistas coletivas, enfim, batalhado por uma solução pacífica e diplomática para o conflito.
Se os alemães, que também não dispõem de armas nucleares, se calassem, talvez Saddam Hussein não se sentisse encorajado a apresentar uma saída, abrindo o país para os inspetores internacionais. A possível guerra no Iraque tornou-se um tema central na campanha alemã, que se encerrou ontem. Social-democratas e Verdes jogaram tudo na paz. Podem até ter perdido as eleições, mas, nesse aspecto particular, souberam interpretar melhor que o adversário o sentimento dos alemães.
Embora seja um leitor atento de jornais, não consigo detectar na campanha brasileira nenhum vestígio de preocupação com a proximidade da guerra.
A única menção de que me recordo foi a do caricaturista Chico Caruso, mostrando os candidatos brasileiros com a mão na cabeça diante de um Bush prestes a detonar sua bomba.
Fernando Henrique pode imaginar que esteja inventando trabalho para o governo. Há gente que resume sua crítica na expressão mágica: falta de vontade política. Superestimar sua própria capacidade em política internacional é mais desastroso do que no campo doméstico.
No entanto uma reunião dos países latino-americanos e do Caribe para conversar sobre a proximidade da guerra, no meu entender, não seria nenhum exagero.
Muitas coisas vão se mexer se as primeiras bombas explodirem no solo iraquiano. Essa mexida tende a, de uma certa forma, reduzir as exportações e impor mais aversão ao risco entre os investidores internacionais.
Valia a pena, pelo menos, dizer ao FMI: "Tudo bem, concordarmos em produzir um superávit de 3,75%, concordamos em conter a inflação etc, mas tudo isso dentro de uma determinada conjuntura mundial". A mudança brusca da conjuntura, teoricamente, deveria levar a uma flexibilização do acordo.
Sem contar também com o fato de que os eleitores brasileiros gostariam muito de ouvir o que os eleitores de outras partes do mundo ouvem. O Oriente Médio precisa de paz ou de mais uma guerra?
Sem entrar no mérito de cada uma dessas posições, defendo apenas que o Brasil precisa aceitar um pouco mais a existência do mundo, não apenas como cinematográfico planeta azul, mas como uma condição de nossa própria existência.
Há um certo desconforto para uma iniciativa brasileira, uma vez que, segundo denúncias de um cientista iraquiano, o urânio do Iraque foi importado do Brasil. Nosso país exportou urânio, mas o Iraque não detém a tecnologia para enriquecê-lo. Além disso, todo o urânio exportado pelo Brasil, segundo nossas autoridades, está sob custódia internacional.
A exportação do urânio aconteceu num passado que estava fora de nosso controle. Por que não esclarecer amplamente à mídia internacional, sobretudo à inglesa, que divulgou o assunto?
Exportar matérias-primas ou mesmo armamento para aquela região é o tipo de desconforto pelo qual quase todos os grandes países passaram.
Ninguém tem condições reais de atirar a primeira pedra. É possível conviver com esse desconforto e propor uma saída negociada, como os alemães, por exemplo.
Bush está ameaçando algo para as férias de verão. Pelo menos os turistas não podem ficar indiferentes a essa realidade e precisam planejar seu futuro próximo, levando em conta, mais uma vez, a presença da guerra.


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