São Paulo, quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

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ARTIGO

Hoje, país é o paraíso do turismo comunitário

Sistema de transporte, bibliotecas e "livros ao vento" estão entre ações que reverteram os índices de violência de cidades como Bogotá, Cali e Medellín

GILBERTO DIMENSTEIN
Colunista da Folha

Se existisse um turismo para quem está à procura de soluções comunitárias e urbanísticas, a Colômbia seria um de seus principais e mais cobiçados roteiros. Para esse tipo de turista, vindo do Terceiro Mundo, não haveria nenhum lugar comparável.
Tenho acompanhado experiências, dentro e fora do Brasil, sobre como incluir crianças e jovens em risco na sociedade, promover suas habilidades e, assim, criar comunidades mais harmônicas. Por quase três anos, fiz de Nova York, onde vivi, uma espécie de laboratório de observação, afinal a cidade conseguiu reduzir seus índices de criminalidade, tornando-se uma referência mundial.
O encanto da Colômbia reside, em primeiro lugar, na sua tragédia. Lá existiam as cidades mais violentas do planeta, juntando uma espantosa biodiversidade de conflitos, a começar pelo narcotráfico, mesclando-se a paramilitares, guerrilheiros de esquerda e jovens marginais. Muitas vezes, esses segmentos faziam e desfaziam parcerias, colocando lado a lado esquerdistas com narcotraficantes que, por vez, buscavam proteção de paramilitares. Tal complexidade tornava São Paulo e Rio cidades amenas.
A exemplo do Brasil, a Colômbia é um país desigual, com imensas manchas de pobreza; e, por isso, é especialmente atrativa para o turista comunitário do Terceiro Mundo, já que Nova York beneficia-se da afluência dos EUA. Barcelona, outro modelo de revitalização, não teria ido tão longe não fosse o dinheiro da Espanha, além dos bilhões de dólares que vieram com as Olimpíadas.
Rodeadas pela miséria, Bogotá, Cali e Medellín conseguiram baixar intensamente seus níveis de homicídio, combinando uma série de ações além das repressivas. É de ficar boquiaberto o requinte dessa montagem, na qual aparecem intervenções urbanísticas, educacionais, culturais e esportivas.
A mais visível das intervenções é um imenso corredor de ônibus batizado de "TransMilênio". O corredor serviu para limpar, não poluir, a cidade: além de criar gigantescos calçadões, acompanhados de jardins, uniu os bairros e gerou um senso de coletividade. Foram criadas praças, com equipamentos culturais, para facilitar a convivência. Derrubaram bairros deteriorados, substituídos por parques. Tirou-se espaço dos automóveis para ganhar a maior ciclovia do mundo. Ao domingos, ruas são fechadas para os carros, transformando-se em passeios públicos.
As prefeituras ergueram bibliotecas nos bairros mais pobres que, de novo, tinham o sentido de propiciar, através da cultura, áreas para convivência e reduzir as tensões. Tais bibliotecas são acessíveis através do "TransMilênio".
A operação urbana teve impacto sobre a violência porque veio acompanhada de ações nas escolas. Promoveram-se atividades culturais entre jovens para que desenvolvem a auto-estima e tivessem mais chance no mercado de trabalho.
Se você estiver andando pela cidade certamente vai encontrar um jovem uniformizado orientando pedestres ou dando informações turísticas; provavelmente não vai saber que ele já faz parte de alguma gangue e se recolocou na sociedade como um agente comunitário. Alguns deles carregam livros debaixo do braço. Aproximam-se de alguém num ponto de ônibus e lhe oferece um livro gratuitamente. O beneficiário se compromete a passar o que recebeu para outra pessoa. Montou-se, assim, um biblioteca ambulante chamada "livros ao vento" -aquele jovem que carregava um arma ou droga passa a distribuir literatura.
Essa é uma obra de vários prefeitos, envolvendo os poderes federal e estadual, além de empresários e entidades da sociedade, na qual foi criado um laboratório que, para muitos (no meu caso), é um paraíso.
PS - Se perguntarem de algo inesquecível fora desse turismo comunitário, minha dica é o museu do ouro (www.banrep.gov.co/museo/esp/home.htm), em Bogotá; obrigatório. É uma viagem ao mundo pré-colombiano, com peças de design estupendo.


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