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FESTA CRISTÃ
Vaticano atrai com busca por Deus e arte
Turismo descobriu na peregrinação a chave de um mercado que retira viés banal e agrega valor à viagem
LUIZ FELIPE PONDÉ
COLUNISTA DA FOLHA
São diversas as razões que
podem levar uma pessoa a visitar o Vaticano. Entre elas, a
pior é ir para reclamar contra
seus tesouros. Argumentos conhecidos como "a riqueza do
Vaticano é contra o espírito do
cristianismo" são comuns e
têm a sua validade no campo do
debate ético, mas estragam a
experiência estética e religiosa
que podemos ter numa visita ao
centro do catolicismo mundial.
O fato evidente é que seus tesouros artísticos e históricos
são uma excelente oportunidade para experiências de caráter
mais profundo no que se refere
a uma viagem para locais em
que você se sente num centro
da cultura ocidental.
Cidade Eterna
Roma é, na tradição do cristianismo antigo, o lugar onde
Pedro e Paulo descansaram
dessa vida de sofrimentos. Suas
relíquias estariam lá. Por isso,
essas relíquias cumprem o papel, segundo o historiador do
cristianismo antigo Peter
Brown, de fundar Roma como
centro de peregrinação e autoridade religiosa.
Nasce aí o seio onde se construirá a identidade do Vaticano
como um dos dois centros do
cristianismo antigo (sendo o
outro a terra de Israel).
Ao longo dos séculos, a Cidade Eterna acumulará muitas
das energias artísticas de grandes gênios da pintura e da escultura, principalmente no período que vai do final da Idade
Média até o Renascimento,
momento essencial da história
da arte e de seus mais notáveis
desenvolvimentos estéticos.
Alma de viajante
Por isso o Vaticano é um dos
principais centros da produção
artística no âmbito da busca de
Deus (maior referência do Sagrado no mundo ocidental).
Proponho "o espírito do peregrino", se você for fazer uma
viagem para lá.
Há algum tempo a indústria
do turismo descobriu a peregrinação como chave de mercado
que agrega um valor diferenciado à intenção dos viajantes, diminuindo, assim, o viés banal
presente em muitas formas do
turismo.
Dos monastérios e igrejas da
Europa, passando pelos espaços vazios do Saara, da Sibéria e
da Mongólia, tocando a arquitetura misteriosa e distante da
Índia, da China, do Butão ou do
Vietnã, o que se busca nesse
movimento é a voz profunda da
alma humana clamando na vastidão do mundo.
As peregrinações, é fato, são
uma prática antiga na religião e
na filosofia. E, na realidade, o
que está em jogo nas peregrinações é o autoconhecimento ligado à busca do sentido último
da vida.
Desde os primórdios da Grécia e do judaísmo (o cristianismo é o encontro, num cenário
dominado pela grandiosa civilização romana, desses dois
mundos antigos), mulheres e
homens fogem para o deserto,
em busca de si mesmos e de
Deus (o que os une na caminhada é a intenção de descobrir a
verdade da vida e do mundo).
A caminhada sempre significa um momento em que suspendemos a banalidade do cotidiano e nos abrimos para os
mistérios escondidos por trás
dessas banalidades. O espaço
exterior a ser percorrido representa a viagem interior a ser
realizada.
Enquanto no deserto são os
elementos "naturais" (cavernas, areia, calor, fome, solidão
geográfica, ausência de civilização) que cumprem o papel de
ferramentas da peregrinação,
no Vaticano é a arte. Da Vinci,
Michelangelo, Caravaggio, entre outros, são aqui os "profetas" que levam você pelas mãos
adentro da aventura da alma
em busca de Deus.
Como esses grandes artistas
viram essa busca? Nas formas,
nas cores e nas formulações estéticas dadas, você encontra algumas respostas possíveis para
ela: o corpo torturado de Cristo, as lágrimas incontidas das
mulheres, o rosto em chama
dos homens, a alegria do Deus-homem que vence a morte contam a história da luta entre o
medo e a esperança.
Na narrativa da vida do homem Jesus, encontramos as
chaves de sua transformação
na figura do Cristo. Em meio a
essa narrativa, o momento de
sua morte é um marco.
Se pensarmos em Sua vida
como a peregrinação de Deus
no mundo, os momentos que
precedem Sua paixão, os detalhes de Sua agonia, e os eventos
que marcam Sua ressurreição
(tudo isso contido no que a tradição denomina Semana Santa) são alguns dos instantes
mais importantes de Sua peregrinação.
Por isso, as cenas que se repetem à exaustão representando
Suas amizades, Suas dores e
Sua glória. Do Deus que viaja
pelo mundo ao homem que
contempla essa viagem, a Semana Santa é um encontro
marcado por sangue, violência,
traição e esperança, experiências profundamente humanas.
Nem sempre, infelizmente,
conseguimos em meio ao ruído
causado pelo "turismo selvagem" as melhores condições
para uma viagem de qualidade.
O acervo artístico do Vaticano é um diálogo com a visita de
Deus ao mundo. Por isso, o
ideal para uma visita como essa
é evitar participar de grandes
grupos. E não ter pressa. A sofisticação técnica desses mestres e o drama de Deus e dos homens representado nessa técnica merecem todo o cuidado
de quem a contempla.
Além de um bom livro ou um
bom guia ilustrado que fale do
momento artístico em que viveu a maior parte desses mestres, seria boa uma leitura prévia dos eventos que marcam a
Semana Santa (o Evangelho
ainda é a melhor fonte narrativa para isso): a Santa Ceia, a
agonia em Gethsâmani, a cruz e
a morte, a ressurreição.
Menos ansiedade turística e
mais silêncio também fazem
bem ao viajante-peregrino que
tem a sorte de experimentar
"in loco" a Semana Santa vista
pelos olhos e pelas mãos de alguns dos maiores exemplos do
que de melhor a arte sacra pode
nos oferecer como representação da alma humana em busca
de sua origem e de seu destino.
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