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LUZES DA CIDADE
Trajetória de Paris rumo ao centro do universo fashion começa no séc. 17 e costura tradição a artimanhas
Mundo da moda fala francês com sotaque
HELOISA LUPINACCI
FREE-LANCE PARA A FOLHA
"Haute-couture", "prêt-à-porter", "maison". As palavras do
mundo da moda alinhavam-se
em francês. Embora Milão, Londres e, mais recentemente, Nova
York e Tóquio tenham pregado
seus nomes no mapa da moda
-que vem de "mode" (modo),
do francês, claro-, Paris ainda é
o primeiro lugar que vem à mente
quando se pensa em grifes ou, no
original, "griffes" (garras). Em
francês, claro.
O posto de capital do mundo
fashion -que vem de "façon", do
francês, claro- não foi outorgado a Paris de graça. Tradição, espionagem e incentivos do governo são responsáveis pela façanha.
O "avant-garde" francês remonta ao tempo das cavernas: os
primeiros registros de figuras humanas usando "roupas", no caso
folhas de árvores, estão cravados
em pedras francesas.
O pioneirismo dos homens das
cavernas franceses é apenas um
sinal do que estaria por vir.
A França virou sinônimo de
moda sob o reinado de Luís 14, no
século 17. O rei uniu uma política
econômica agressiva a certos truques para colocar a França no
umbigo do mundo da moda.
Uma de suas artimanhas surgiu
como reação à insistência do rei
inglês Charles 2º em competir
com ele para ver quem era o mais
luxuoso. O monarca francês bolou uma estratégia para sabotar
todas as criações de seu rival inglês: a cada vez que Charles aparecia com uma roupa nova, Luís
mandava seus costureiros copiarem a peça e a estabelecia como
uniforme de seus empregados. A
desmoralização era imediata.
"A França virou nessa época um
pólo difusor de modos e de moda", explica o especialista em história da moda e professor de cultura de moda da Faculdade Santa
Marcelina, João Braga, que conta
que, depois do reinado de Luís 14,
o luxo continuou sendo a tônica
dos reinados de Luís 15 e 16.
Quando Napoleão 3º estava no
poder, nasceu a alta-costura, que,
graças à criação de uma patente,
virou exclusividade francesa na
década de 1860.
Mas o mundo é redondo como
uma manga bufante, e, nos anos
1930, com diversas crises abalando o mundo, um novo modelo de
comercialização de moda se fez
necessário. Assim, depois da
ameaça real inglesa, veio a ameaça industrial norte-americana.
Práticos como só eles conseguem ser, os norte-americanos
inventaram o "ready-to-wear",
ou pronto para vestir. A proposta
era que a loja tivesse modelos de
vestidos iguais de tamanhos diferentes. Assim a cliente compraria
a roupa no seu tamanho, evitando
ajustes. Para que isso fosse possível, os norte-americanos criaram
a grade de tamanhos P, M e G.
Incomodados com o passo à
frente dado no Novo Mundo, os
franceses logo reagiram: um industrial do setor têxtil financiou
uma expedição de espiões para
roubar o método das fábricas
norte-americanas.
Quando os espiões voltaram,
implantaram o sistema na França
e criaram o "prêt-à-porter"
-pronto para vestir. Em francês,
claro. "Voilá". A França dava o
troco, cunhava o termo francófono para a invenção americana e
passava uma bela rasteira na tentativa da tomada de seu posto.
De lá para cá
Na década de 1860, foi criada a
Câmara Sindical da Costura Parisiense, que definiu que alta moda
só seria produzida em Paris. Assim como champanhe ou queijo
camembert, que só podem ser feitos em determinadas regiões da
França, a alta-costura também
tem sua denominação de origem
controlada. Nesse caso, não basta
ser francês, é preciso ser parisiense. E mais: não basta estar em Paris, é preciso ter uma sede num
bairro luxuoso da cidade. Nada
de Belleville, mais simplesinho.
Entre os 12 seletos membros da
câmara, há dois ícones: Dior
(www.dior.com) e Chanel
(www.chanel.com). Existe uma
característica comum às duas
marcas que revela uma face mais
cosmopolita e irônica da capital
da moda que Paris é hoje: as duas
são chefiadas por estrangeiros. O
inglês John Galliano cria as roupas da Dior, e o alemão Karl Lagerfeld, as da Chanel.
"Touché". O idioma da moda
pode ser o francês, mas os sotaques em que ele é dito vêm de
muitas partes do mundo.
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