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São Paulo, segunda-feira, 26 de maio de 2003

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POLICROMIA AFRO

Safáris acontecem nessas áreas, que se tornaram reservas privadas ou do Estado, como o parque Kruger

Savana se desvela em cores e silêncios

DO ENVIADO ESPECIAL À ÁFRICA DO SUL

O dia desperta discretamente na savana. Apenas o som de alguns pássaros. Na planície, a luz se expande lentamente, como uma mancha de leite cremoso. Aos poucos torna-se amarela. É tudo. A savana é árida, coberta por vegetação rasteira, arbustos esparsos e árvores mirradas. Alguém a definiu como o "lugar onde brotam árvores cujas copas não se tocam". Assemelha-se à caatinga, e bem poderia se aplicar a este trecho de "Os Sertões": "Entre dois meios desfavoráveis espaços candentes e terrenos agros as plantas trazem no aspecto anormalíssimo, impressos, todos os estigmas desta batalha surda".
Encontram-se também áreas mais enfolhadas, onde a chuva cai abundante, e outras áreas, mistas, com árvores verdes, largas e baixas ou ainda espécies altas, secas e, às vezes, espinhudas.
Os safáris acontecem nessa paisagem, de manhã cedo ou à noite, quando os animais se recolhem ao redor das poças d'água para beber. Quase todas as grandes áreas de caça foram transformadas em reservas ecológicas, isto é, repopuladas e controladas pelo homem. Nelas, os animas vivem livremente, mas tenta-se evitar tanto a extinção quanto a superpopulação das espécies. A manipulação das poças d'água é um dos meios para exercer o controle.
O Parque Nacional Kruger, nome do presidente sul-africano que o fundou, pertence ao Estado e é um dos melhores santuários ecológicos do mundo.
Localizado a 500 km de Johannesburgo, o parque estende-se do rio Limpopo, ao norte, até o rio Crocodile, ao sul, e comemorou um milhão de visitas em um ano, em março passado.
Aqui, como nas muitas reservas privadas, é possível andar de ônibus ou de Land Rover para avistar e fotografar os animais selvagens chegando, às vezes, muito perto deles. Os mais cobiçados são os "big five", segundo o jargão dos (ex-)caçadores: búfalo, elefante, leopardo, leão e rinoceronte. Mas há também zebras, hienas, hipopótamos, girafas elegantíssimas e pássaros de todo tipo.
Se o dinheiro não é um problema, as melhores reservas são as privadas, pois o tratamento é mais personalizado. A hospedagem é geralmente confortável; a decoração, um misto de opulência e austeridade. Nas paredes, penduram-se troféus de antigas caças e máscaras; não há TV no quarto. As reservas privadas e o Parque Nacional Kruger assinaram um acordo para retirar as cercas do parque e deixar os animais circularem à vontade. Mas nem sempre esse acordo é cumprido entre as reservas privadas. Quanto menor é a reserva, maior a chance de avistar os animas.
Por outro lado, nas reservas menores, perde-se o senso de vastidão da savana, pois o grupo dá volta repetidas ou transita ao lado de cercas eletrificadas.
Se é verdade que a máquina fotográfica substituiu o fuzil com resultados fabulosos, isso pode ter efeitos colaterais. Por vezes, o turista acaba procurando animais como se fossem atrações de circo. As fotos dão a sensação de levar os bichos consigo na hora do "click".
Podendo escolher, na hora de planejar uma rota, é sempre melhor colocar um dia a mais do que um a menos. Esse dia deve ser usado para apreciar as cores, os espaços e os silêncios africanos.
Contudo é fácil entender como o encontro com os animais monopoliza a atenção. A sensação é profundamente física. O corpo percebe que se compartilha o mesmo espaço e reage com medo, surpresa, admiração e respeito.
Em uma situação dessa, é possível entender por que os povos primitivos não costumam separar corpo e espírito. Longe da ser um simples órgão anatômico, o olho repousa o olhar em certas formas e o desvia de outras. A orelha sente a familiaridade de certos sons e a hostilidade de outros. Basta ouvir o leão reverberar a escuridão para compreender. (VINCENZO SCARPELLINI)

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