São Paulo, quinta-feira, 26 de maio de 2005

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TURISTA ACIDENTAL

Leia entrevista com o autor de "A Arte de Viajar", em que sugere como ser feliz ao passear pelo mundo

Alain de Botton saca filosofia de viagens

LUÍS SOUZA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O suíço-britânico Alain de Botton, 36, freqüentemente tem suas obras classificadas como "filosofia da vida cotidiana". Nelas, há uma mistura de técnicas literárias com discussões mais ensaísticas. Sempre, ele não se cansa de citar pensadores, artistas e viagens.
De Botton escreveu sete livros até hoje. Quase todos foram best-sellers. O penúltimo deles, "A Arte de Viajar" (2004, ed. Rocco), lida com o que chama de "psicologia das viagens". No livro, o escritor toca em questões como a maneira idealizada de o turista imaginar um lugar antes de o visitar ou como, em sua opinião, ficam na memória apenas as boas lembranças de uma viagem.
Na entrevista a seguir, De Botton diz que prefere viajar sozinho e de maneira independente. Também lista o que acha pior e melhor em viagens. O escritor respondeu às perguntas da Folha por e-mail, de Londres, cidade que diz achar feia, mas na qual vive.

 

Folha - O que o motiva a viajar?
Alain de Botton -
Quando o assunto é viagem, acredito no que dizia o poeta francês Charles Baudelaire [1821-1867]. Para ele, o destino não era o que realmente importava. Seu verdadeiro desejo era o de ir embora. Para qualquer lugar, desde que fosse fora da vida cotidiana.

Folha - Por que você escreveu "A Arte de Viajar"?
De Botton -
O livro é uma tentativa de tratar da questão curiosa das viagens: por que as fazemos? O que tentamos tirar delas? Em uma série de ensaios, escrevo sobre aeroportos, paisagens, museus, namoros que transcorrem em viagens, fotos, tapetes exóticos e o conteúdo dos frigobares de hotéis. Misturo minhas reflexões próprias sobre o viajar com as de algumas grandes figuras do passado: Baudelaire, o também poeta Willian Wordsworth [1770-1850], os pintores Vincent Van Gogh [1853-90] e Edward Hopper [1829-70], o pensador John Ruskin [1819-1900], entre outras.
O resultado é uma obra que, à diferença dos guias de turismo existentes, pergunta qual pode ser o objetivo e a razão de ser das viagens. Modestamente, também sugere como poderíamos aprender a ser mais felizes em viagens.

Folha - No livro você diz que alguns lugares pelos quais não sentimos nenhum interesse podem tornar-se muito interessantes depois de os vermos num livro ou num quadro. Por que você acha que isso acontece?
De Botton -
Porque a arte é um pouco como a antecipação: é uma simplificação da realidade.
O desejo de viajar está ligado a uma idéia enganosamente simples: a de que bastaria nos deslocarmos para outro lugar para ficarmos felizes. Com freqüência, esse lugar será uma imagem que vimos num folheto, na televisão ou numa pintura.

Folha - O livro diz que criamos muitas expectativas em torno do viajar. Como podemos evitar isso e não nos sentirmos frustrados?
De Botton -
Um dos problemas do viajar decorre do fato desconcertante de que, quando olhamos para imagens de lugares que queremos conhecer (e imaginamos quão felizes poderíamos ser se lá estivéssemos), tendemos a nos esquecer de uma coisa crucial: que teremos que nos carregar juntos.
Estaremos lá com nossas próprias pessoas, ainda presos dentro de nossos próprios corpos e mentes, com todos os problemas que isso acarreta, como nossa parte comprometida com o tédio, a ansiedade, a melancolia, a auto-repulsa e a preocupação financeira.

Folha - Você disse certa vez que a memória apaga coisas negativas acontecidas durante uma viagem e conserva as boas. Por que você acha que isso acontece?
De Botton -
Porque as férias são o único momento em que, se não conseguirmos ser felizes, sentiremos que fracassamos. Logo, tendemos não apenas a ser infelizes quando viajamos, mas a nos sentirmos infelizes pelo fato de estarmos infelizes.

Folha - Como turista, você prefere viajar independentemente ou comprar pacotes turísticos?
De Botton -
Independentemente, sempre.

Folha - Você não acha que viajar é gostoso simplesmente para praticar a observação de pessoas?
De Botton -
Sim, viajar nos proporciona oportunidades fantásticas de olhar as pessoas, ao mesmo tempo em que fazemos de conta que não as estamos fazendo. Todo mundo vira romancista quando está em ônibus, aeroportos, etc., porque esses são lugares onde você pode ouvir o que se passa nas vidas de outras pessoas.

Folha - As viagens nos proporcionam as melhores oportunidades de encontrar a nós mesmos?
De Botton -
Não, esse é um mito romântico. A indústria do turismo conspira para isso, ela nos promete que a felicidade pode ser alcançada mudando-se a cor do céu. Mas ninguém nunca se alegrou por mais do que 15 minutos com um lugar belo, exceto se já estava preparado para ser feliz de qualquer maneira.
Para viajar, é necessário um coração calmo e uma mente satisfeita, além da consciência de que não poderemos resolver a maioria de nossos males pela simples mudança de lugar.

Folha - No livro, você fala sobre viajar sozinho e viajar com outra pessoa. O que é melhor?
De Botton -
Sem dúvida alguma, viajar sozinho. É muito mais assustador, mas, por outro lado, você observa muito mais e pode ser tão estranho quanto quiser.

Folha - Qual é o melhor tipo de literatura para apreciar enquanto se viaja?
De Botton -
É sempre bom ler o que outra pessoa enxergou quando foi ao lugar onde você se encontra. Você se dá conta de que existem muitas maneiras diferentes de ver o mesmo lugar.

Folha - Qual é sua opinião sobre os guias de viagens? Você os lê? Qual é seu favorito?
De Botton -
Os guias de viagens podem ser perigosos se você acreditar piamente no que dizem. Eles lhe dizem como ser um turista "normal": o que é preciso ver para ser respeitável. Na realidade, é claro, para a maioria de nós, a verdadeira alegria do viajar consiste em seguir os caminhos apontados por nossa própria imaginação e curiosidade.

Folha - John Ruskin costumava dizer que os tempos modernos são rápidos demais, que as pessoas estão sempre com pressa e que isso cega os turistas modernos. Você acha que os turistas de hoje são cegos para a beleza?
De Botton -
Dada a probabilidade de sofrermos decepções em nossas viagens, meu guia favorito é o escritor francês do século 18 Xavier de Maistre.
Numa era em que somos constantemente encorajados a viajar para longe, a obra de De Maistre apresenta um insight profundo e sugestivo: o de que o prazer que derivamos de nossas viagens talvez dependa mais de nosso modo de enxergar o que fazemos, mentalmente, do que do destino para o qual viajamos.
Talvez a parte mais importante de ser um bom viajante seja a disposição de achar um lugar interessante, assim como o querer se apaixonar talvez constitua o maior pré-requisito para o apaixonar-se de fato.

Folha - A possibilidade de tirar fotos nos leva a prestar menos atenção durante as viagens, na medida em que nos dá a ilusão de termos aquele momento registrado?
De Botton -
Sim, a câmera cria grandes problemas para nós. Deveríamos seguir o belo conselho de John Ruskin: parar de tirar fotos, e, em lugar disso, aprender a desenhar. Não importa se o que desenhamos tem aparência muito amadora. Pelo menos o ato de desenhar nos ensinará a concentrar-nos sobre o verdadeiro olhar.

Folha - Qual é a melhor coisa de se viajar? E a pior?
De Botton -
Um insight que talvez seja útil aceitar é que o prazer antecipado da viagem talvez constitua sua melhor parte. Nossas viagens de férias nunca são tão satisfatórias quanto são quando existem em forma ainda não concretizada: sob a forma de uma passagem de avião e um folheto.
Eu continuo a viajar, apesar de todos esses inconvenientes. Existem momentos, no entanto, em que também sinto que talvez não existam viagens melhores do que aquelas proporcionadas por nossa imaginação.

Folha - Qual é sua relação com Londres? Você não faz elogios à cidade em seu livro. O que você recomenda em Londres? O que não recomenda?
De Botton -
Londres, infelizmente, é uma cidade bastante feia. Para mim, as belas cidades da Europa são Amsterdã, Paris, Roma, Florença, Veneza. Não obstante, é possível viver uma vida boa mesmo numa cidade feia. E, se o lugar onde eu morasse fosse belo demais, eu não sonharia em viajar.


Tradução de Clara Allain

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