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TURQUIA 2 EM 1
Relógios da edificação ficaram congelados no horário da morte do líder, 9h05 de 10 de novembro de 1938
Palácio de Dolmabahçe foi lar de Atatürk
DO ENVIADO ESPECIAL
Quando Mustafá Kemal Pasa, o Atatürk, morreu, aos 57
anos, no dia 10 de novembro de
1938, os relógios do palácio de
Dolmabahçe, onde ele morava,
marcavam 9h05. Desse momento em diante o local foi
transformado em museu e todos os carrilhões ficaram congelados naquele horário.
Seu quarto só foi aberto a visitação muitos anos depois. Sobre sua cama, um colcha encarnada com a lua crescente e a estrela marca o leito de morte do
"pai dos turcos" e o fim de uma
era para a Turquia.
Atatürk foi velado no grande
salão cerimonial do Dolmabahçe, que tem 2.000 m2, e seu esquife foi colocado sob o imenso
lustre de cristal irlandês de 900
lâmpadas e 4,5 toneladas.
Em Istambul, uma imensa
multidão entrou então pela
primeira vez nesse palácio
eclético, de estilo barroco-renascentista, inaugurado em
1856 pelos sultões para mostrar seu poder e riqueza.
Edificado ao longo de 17
anos, o Dolmabahçe tem, logo
na entrada principal a torre do
relógio, presente da França.
Por essa porta, até 1922, no
apagar das luzes do sultanato,
só os homens podiam entrar.
Ao assumir a presidência e
declarar a Turquia uma República, em 1923, Atatürk iniciou
um novo tempo em seu país.
Até então, esse palácio à beira do Bósforo, onde centenas
de relógios -peças únicas fabricadas no século 17 na França, na Suíça, na Inglaterra, na
Alemanha e na Áustria- continham complexos calendários e
barômetros que marcavam o
tempo de um regime que ruiu.
Com 17 mil m2, 245 apartamentos, harém, 47 salões e seis
banhos turcos, o palácio de
Dolmahçe, cuja entrada para
visitação custa 20 liras turcas
( 10), foi projetado pela dinastia de arquitetos turco-armênios da família Balyan, respeitando estritamente o princípio
da simetria.
Tudo o que há de um lado se
repete no lado oposto: as fontes
e os jardins; os imensos lustres
tchecos, irlandeses, turcos e venezianos; as janelas e as portas;
as lareiras de Limóges e os vasos de Sèvres; os tapetes de dezenas de metros quadrados; as
escadarias de cristal Baccarat; e
até os desenhos dos tetos, que
consumiram 14 toneladas de
outro e 40 toneladas de prata.
Atatürk logo mudou a capital
da Turquia para Ancara, por razões de segurança e estratégicas, mas, como governante,
morou sempre no Dolmabahçe, em meio às obras de arte e
aos quadros de renomados pintores que haviam sido comissionados por gerações de sultões que, antes dele, dirigiram
o destino da Turquia.
Opulência e polêmica
Há quem diga que, na época
dos sultões, a construção desse
palácio faustoso e extravagante, no final da avenida Inonu
Caddesi, quase quebrou o país.
O sultão Abdülmecit, que o
inaugurou em meados do século 19, quando o Império Otomano declinava, tomou dinheiro de bancos estrangeiros e
morreu pouco depois de ver a
obra concluída.
Seu irmão, o sultão Abdülaziz, não gostava do Dolmabhçe
e acabou construindo outro palácio, menor, no lado oposto do
estreito de Bósforo.
O último dos sultões, Mehmet 6º, abandonou o trono ao
ser confrontado pelos nacionalistas chefiados por Atatürk. E,
consta, naquele clima de desagregação do Império Otomano,
vivia com tanto medo de ser
morto que, vivendo num palácio tão grande, dormia cada dia
num local diferente.
A luz elétrica e a calefação foram instaladas em 1913 e, até
1922, exceto no harém exclusivo da família do sultão, eram
raros os locais do palácio em
que homens e mulheres podiam se ver.
Atatürk, que aboliu a poligamia e modernizou a Turquia,
curiosamente escolheu a área
do antigo harém para morar.
Casado por um período de
apenas dois anos com Makbule
Hanin, ele não teve filhos naturais -embora tenha adotado
crianças- e se divorciou, segundo dizem, para mostrar que
na República que criou, a partir
de 1923, os turcos podiam, sim,
se separar.
Apesar da formação militar e
das guerras cruentas que enfrentou, Atatürk gostava de se
vestir com elegância, de festas,
de bebidas e da vida mundana.
Ele recebia intelectuais até altas horas nesse palácio.
Entre seus hóspedes ilustres
do Dolmabahçe figuraram cabeças coroadas como Eduardo
7º, da Inglaterra; o xá Reza Pahlevi, da Pérsia; o rei Faissal, do
Iraque; e Alexandre, o rei da Iugoslávia. Em 1937, um ano antes de morrer, Atatürk iniciou
as providências para que o palácio fosse transformado em
museu.
(SILVIO CIOFFI)
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