São Paulo, quinta-feira, 26 de novembro de 2009

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TURQUIA 2 EM 1
Relógios da edificação ficaram congelados no horário da morte do líder, 9h05 de 10 de novembro de 1938

Palácio de Dolmabahçe foi lar de Atatürk

DO ENVIADO ESPECIAL

Quando Mustafá Kemal Pasa, o Atatürk, morreu, aos 57 anos, no dia 10 de novembro de 1938, os relógios do palácio de Dolmabahçe, onde ele morava, marcavam 9h05. Desse momento em diante o local foi transformado em museu e todos os carrilhões ficaram congelados naquele horário.
Seu quarto só foi aberto a visitação muitos anos depois. Sobre sua cama, um colcha encarnada com a lua crescente e a estrela marca o leito de morte do "pai dos turcos" e o fim de uma era para a Turquia.
Atatürk foi velado no grande salão cerimonial do Dolmabahçe, que tem 2.000 m2, e seu esquife foi colocado sob o imenso lustre de cristal irlandês de 900 lâmpadas e 4,5 toneladas.
Em Istambul, uma imensa multidão entrou então pela primeira vez nesse palácio eclético, de estilo barroco-renascentista, inaugurado em 1856 pelos sultões para mostrar seu poder e riqueza.
Edificado ao longo de 17 anos, o Dolmabahçe tem, logo na entrada principal a torre do relógio, presente da França. Por essa porta, até 1922, no apagar das luzes do sultanato, só os homens podiam entrar.
Ao assumir a presidência e declarar a Turquia uma República, em 1923, Atatürk iniciou um novo tempo em seu país.
Até então, esse palácio à beira do Bósforo, onde centenas de relógios -peças únicas fabricadas no século 17 na França, na Suíça, na Inglaterra, na Alemanha e na Áustria- continham complexos calendários e barômetros que marcavam o tempo de um regime que ruiu.
Com 17 mil m2, 245 apartamentos, harém, 47 salões e seis banhos turcos, o palácio de Dolmahçe, cuja entrada para visitação custa 20 liras turcas ( 10), foi projetado pela dinastia de arquitetos turco-armênios da família Balyan, respeitando estritamente o princípio da simetria.
Tudo o que há de um lado se repete no lado oposto: as fontes e os jardins; os imensos lustres tchecos, irlandeses, turcos e venezianos; as janelas e as portas; as lareiras de Limóges e os vasos de Sèvres; os tapetes de dezenas de metros quadrados; as escadarias de cristal Baccarat; e até os desenhos dos tetos, que consumiram 14 toneladas de outro e 40 toneladas de prata.
Atatürk logo mudou a capital da Turquia para Ancara, por razões de segurança e estratégicas, mas, como governante, morou sempre no Dolmabahçe, em meio às obras de arte e aos quadros de renomados pintores que haviam sido comissionados por gerações de sultões que, antes dele, dirigiram o destino da Turquia.

Opulência e polêmica
Há quem diga que, na época dos sultões, a construção desse palácio faustoso e extravagante, no final da avenida Inonu Caddesi, quase quebrou o país. O sultão Abdülmecit, que o inaugurou em meados do século 19, quando o Império Otomano declinava, tomou dinheiro de bancos estrangeiros e morreu pouco depois de ver a obra concluída.
Seu irmão, o sultão Abdülaziz, não gostava do Dolmabhçe e acabou construindo outro palácio, menor, no lado oposto do estreito de Bósforo.
O último dos sultões, Mehmet 6º, abandonou o trono ao ser confrontado pelos nacionalistas chefiados por Atatürk. E, consta, naquele clima de desagregação do Império Otomano, vivia com tanto medo de ser morto que, vivendo num palácio tão grande, dormia cada dia num local diferente.
A luz elétrica e a calefação foram instaladas em 1913 e, até 1922, exceto no harém exclusivo da família do sultão, eram raros os locais do palácio em que homens e mulheres podiam se ver.
Atatürk, que aboliu a poligamia e modernizou a Turquia, curiosamente escolheu a área do antigo harém para morar.
Casado por um período de apenas dois anos com Makbule Hanin, ele não teve filhos naturais -embora tenha adotado crianças- e se divorciou, segundo dizem, para mostrar que na República que criou, a partir de 1923, os turcos podiam, sim, se separar.
Apesar da formação militar e das guerras cruentas que enfrentou, Atatürk gostava de se vestir com elegância, de festas, de bebidas e da vida mundana. Ele recebia intelectuais até altas horas nesse palácio.
Entre seus hóspedes ilustres do Dolmabahçe figuraram cabeças coroadas como Eduardo 7º, da Inglaterra; o xá Reza Pahlevi, da Pérsia; o rei Faissal, do Iraque; e Alexandre, o rei da Iugoslávia. Em 1937, um ano antes de morrer, Atatürk iniciou as providências para que o palácio fosse transformado em museu. (SILVIO CIOFFI)


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