São Paulo, quinta-feira, 26 de novembro de 2009

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TURQUIA 2 EM 1
O giro sufi, em que a pessoa roda sem parar, chegou à Turquia no século 13 e é o momento mais esperado

Brasileira vira celebridade na Capadócia

DO ENVIADO ESPECIAL À TURQUIA

Clara Sussekind se tornou uma celebridade na Capadócia. Nascida no Rio, numa família de intelectuais, ela estudou dança oriental e, há dois anos, faz um show que, todas as noites, é assistido por cerca de 400 pessoas num local chamado Harmandali, em Uçhisar.
Ela executa três números diferentes, a dança do ventre, outra com véus e uma espada turca, mas a platéia vai literalmente ao delírio quando chega a hora do ancestral giro sufi. Trata-se de um transe que dura minutos -que parecem horas.
Considerado um movimento religioso -e não uma dança- o giro sufi, no qual a pessoa gira sem parar em torno do próprio corpo, chegou à Capadócia no século 13 quando, reza a lenda, Mevlana, filha de um filósofo afegão e adepta dessa prática considerada sagrada, para lá foi para fugir dos ataques mongóis.
Ali, Mevlana escreveu a obra "Mesnevi", poema em seis volumes considerado fundamental na literatura persa-afegã.
A obra, de acordo com o misticismo islâmico, inspirou a constituição de um monastério na região da Capadócia.

O mundo gira
Clara Sussekind personaliza todas as noites essa lenda que é cara aos turcos. E a plateia, formada tanto por turistas como por turcos, fica entre absorta e maravilhada.
O curioso é que essa bailarina carioca de 35 anos, que sequer tem raízes turcas, tenha encontrado o sucesso e o sossego nesse lugar tão distante, tão místico -e tão especial.
No restante do show do Harmandali, os demais bailarinos, em grupo, executam danças do diversificado folclore da Turquia. A coreografia é bem marcada, e os figurinos são bem cuidados. Mas nada que se compare com à atuação da brasileira. (SILVIO CIOFFI)




FOLHA - Quando você veio para a Capadócia e onde estudou dança?
CLARA SUSSEKIND
- Cheguei à Capadócia em abril de 2007. Antes, fui a Istambul, passei três semanas lá, uma na Anatólia e, na Capadócia, minha intenção era fazer turismo. Encontrei aqui tudo o que eu estava procurando -e o que não estava também- e resolvi ficar. Estudei dança na então Faculdade da Cidade, hoje UniverCidade, no Rio. Tinha balé clássico no currículo e vários outros tipos de dança, estudo da anatomia e história da dança também. Na época, eram quatro anos de curso.

FOLHA - Você chegou à Turquia interessada em dança oriental?
CLARA
- Vim à Turquia para estudar o giro sufi -e acabei estudando a dança cigana-turca também, por ser uma dança local. Meu objetivo foi sempre aprender dança.

FOLHA - E o que é o giro sufi?
CLARA
- Na verdade, o giro sufi é feito religiosamente. A ideia é que a Terra tem um movimento circular, ela gira em torno de si mesma, em torno do Sol, então é como se o movimento cósmico fosse o giro. A ideia é que a pessoa que está girando entra em comunhão com o movimento cósmico, se libera do seu ego, tenta encontrar deus ou entender coisas... buscar espiritualidade. Essa dança é, na verdade, uma atitude religiosa e, hoje em dia, virou um cartão-postal na Turquia.

FOLHA - Girar não dá tontura?
CLARA
- Tontura não. Na verdade eu faço o giro à maneira egípcia. Tem uma diferença de técnica de pé com o giro da Turquia. Quando estudei, tinha aula de uma hora. Não sei se é enjoo, mas eu ficava às vezes meio paradona. Hoje, danço todo dia e não sinto nada mais. Mas a ideia para quem faz religiosamente, espiritualmente, é buscar uma ascensão espiritual.

FOLHA - Você tomou contato com o giro sufi no Egito?
CLARA
- É, no Egito vi uma apresentação dentro de uma mesquita. Lá eles têm uma saia cênica, que faz efeitos. Então comprei a saia e, no Brasil, girava da maneira que eu podia.

FOLHA - Você integrava algum grupo no Rio?
CLARA
- Depois da faculdade, entrei num projeto da prefeitura do Rio que se chama Ateliê Coreográfico. Eles pegaram por um ano cem pessoas, entre bailarinos e atores, como numa universidade. Fazíamos quatro ou cinco horas de aula diariamente, toda manhã, de graça. Havia aula de teatro, de capoeira, etc. Lá, tive contato com dança oriental através do Eduardo Wotzik, um diretor de teatro. Ao acabar o Ateliê Coreográfico, passei a fazer parte de um grupo que não era de dança oriental. Wotzik estava trabalhando com bailarinos e pesquisando o poder da dança como linguagem cênica. E, ao tomar mais contato com dança oriental, minha vida profissional começou a deslanchar. A dança ocidental que eu fazia era balé clássico, uma carreira difícil -e eu já era mais velha para começar uma carreira assim.

FOLHA - E como foi eleger a dança oriental?
CLARA
- A dança oriental se iniciou como dança religiosa. Nas religiões matriarcais, que cultuavam as deusas, os movimentos da dança são movimentos de parto, de concepção. Depois, vieram as religiões patriarcais e a dança virou uma dança de entretenimento, se desenvolveu nos haréns e acabou misturada, porque no harém tinha africana, escrava hindu, mulheres de diversos lugares e culturas. Misturo elementos de dança hindu a expressões e movimentos de outras danças típicas. Acho que a dança oriental fala sobre o sagrado feminino e sobre características que devem ser essencialmente femininas. Em países orientais existe uma diferença grande entre o mundo das mulheres e o mundo dos homens -uma barreira enorme-, e aí começa a curiosidade sobre qual é o mundo das mulheres, porque ele é mais fechado, e eu acho que a dança oriental alude a ele.

FOLHA - Outros bailarinos a influenciaram nessa busca?
CLARA
- Dancei junto à minha professora Patricia Passo, uma brasileira que mora na Espanha, idem o bailarino egípcio Mohamed-el-Said, que estudou o giro sufi da maneira mais tradicional. O curioso é que, lá, essa é uma dança masculina.


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