|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TURQUIA 2 EM 1
O giro sufi, em que a pessoa roda sem parar, chegou à Turquia no século 13 e é o momento mais esperado
Brasileira vira celebridade na Capadócia
DO ENVIADO ESPECIAL À TURQUIA
Clara Sussekind se tornou
uma celebridade na Capadócia.
Nascida no Rio, numa família
de intelectuais, ela estudou
dança oriental e, há dois anos,
faz um show que, todas as noites, é assistido por cerca de 400
pessoas num local chamado
Harmandali, em Uçhisar.
Ela executa três números diferentes, a dança do ventre, outra com véus e uma espada turca, mas a platéia vai literalmente ao delírio quando chega a hora do ancestral giro sufi. Trata-se de um transe que dura minutos -que parecem horas.
Considerado um movimento
religioso -e não uma dança- o
giro sufi, no qual a pessoa gira
sem parar em torno do próprio
corpo, chegou à Capadócia no
século 13 quando, reza a lenda,
Mevlana, filha de um filósofo
afegão e adepta dessa prática
considerada sagrada, para lá foi
para fugir dos ataques mongóis.
Ali, Mevlana escreveu a obra
"Mesnevi", poema em seis volumes considerado fundamental na literatura persa-afegã.
A obra, de acordo com o misticismo islâmico, inspirou a
constituição de um monastério
na região da Capadócia.
O mundo gira
Clara Sussekind personaliza
todas as noites essa lenda que é
cara aos turcos. E a plateia, formada tanto por turistas como
por turcos, fica entre absorta e
maravilhada.
O curioso é que essa bailarina
carioca de 35 anos, que sequer
tem raízes turcas, tenha encontrado o sucesso e o sossego nesse lugar tão distante, tão místico -e tão especial.
No restante do show do Harmandali, os demais bailarinos,
em grupo, executam danças do
diversificado folclore da Turquia. A coreografia é bem marcada, e os figurinos são bem
cuidados. Mas nada que se
compare com à atuação da brasileira.
(SILVIO CIOFFI)
FOLHA - Quando você veio para a
Capadócia e onde estudou dança?
CLARA SUSSEKIND - Cheguei à Capadócia em abril de 2007. Antes, fui a Istambul, passei três
semanas lá, uma na Anatólia e,
na Capadócia, minha intenção
era fazer turismo. Encontrei
aqui tudo o que eu estava procurando -e o que não estava
também- e resolvi ficar.
Estudei dança na então Faculdade da Cidade, hoje UniverCidade, no Rio. Tinha balé
clássico no currículo e vários
outros tipos de dança, estudo
da anatomia e história da dança
também. Na época, eram quatro anos de curso.
FOLHA - Você chegou à Turquia interessada em dança oriental?
CLARA - Vim à Turquia para estudar o giro sufi -e acabei estudando a dança cigana-turca
também, por ser uma dança local. Meu objetivo foi sempre
aprender dança.
FOLHA - E o que é o giro sufi?
CLARA - Na verdade, o giro sufi
é feito religiosamente. A ideia é
que a Terra tem um movimento circular, ela gira em torno de
si mesma, em torno do Sol, então é como se o movimento cósmico fosse o giro. A ideia é que a
pessoa que está girando entra
em comunhão com o movimento cósmico, se libera do seu
ego, tenta encontrar deus ou
entender coisas... buscar espiritualidade. Essa dança é, na verdade, uma atitude religiosa e,
hoje em dia, virou um cartão-postal na Turquia.
FOLHA - Girar não dá tontura?
CLARA - Tontura não. Na verdade eu faço o giro à maneira
egípcia. Tem uma diferença de
técnica de pé com o giro da Turquia. Quando estudei, tinha aula de uma hora. Não sei se é enjoo, mas eu ficava às vezes meio
paradona. Hoje, danço todo dia
e não sinto nada mais. Mas a
ideia para quem faz religiosamente, espiritualmente, é buscar uma ascensão espiritual.
FOLHA - Você tomou contato com
o giro sufi no Egito?
CLARA - É, no Egito vi uma
apresentação dentro de uma
mesquita. Lá eles têm uma saia
cênica, que faz efeitos. Então
comprei a saia e, no Brasil, girava da maneira que eu podia.
FOLHA - Você integrava algum
grupo no Rio?
CLARA - Depois da faculdade,
entrei num projeto da prefeitura do Rio que se chama Ateliê
Coreográfico. Eles pegaram
por um ano cem pessoas, entre
bailarinos e atores, como numa
universidade. Fazíamos quatro
ou cinco horas de aula diariamente, toda manhã, de graça.
Havia aula de teatro, de capoeira, etc. Lá, tive contato com
dança oriental através do
Eduardo Wotzik, um diretor de
teatro. Ao acabar o Ateliê Coreográfico, passei a fazer parte
de um grupo que não era de
dança oriental. Wotzik estava
trabalhando com bailarinos e
pesquisando o poder da dança
como linguagem cênica. E, ao
tomar mais contato com dança
oriental, minha vida profissional começou a deslanchar. A
dança ocidental que eu fazia era
balé clássico, uma carreira difícil -e eu já era mais velha para
começar uma carreira assim.
FOLHA - E como foi eleger a dança
oriental?
CLARA - A dança oriental se iniciou como dança religiosa. Nas
religiões matriarcais, que cultuavam as deusas, os movimentos da dança são movimentos
de parto, de concepção. Depois,
vieram as religiões patriarcais e
a dança virou uma dança de entretenimento, se desenvolveu
nos haréns e acabou misturada,
porque no harém tinha africana, escrava hindu, mulheres de
diversos lugares e culturas.
Misturo elementos de dança
hindu a expressões e movimentos de outras danças típicas.
Acho que a dança oriental fala sobre o sagrado feminino e
sobre características que devem ser essencialmente femininas. Em países orientais existe uma diferença grande entre
o mundo das mulheres e o
mundo dos homens -uma barreira enorme-, e aí começa a
curiosidade sobre qual é o
mundo das mulheres, porque
ele é mais fechado, e eu acho
que a dança oriental alude a ele.
FOLHA - Outros bailarinos a influenciaram nessa busca?
CLARA- Dancei junto à minha
professora Patricia Passo, uma
brasileira que mora na Espanha, idem o bailarino egípcio
Mohamed-el-Said, que estudou o giro sufi da maneira mais
tradicional. O curioso é que, lá,
essa é uma dança masculina.
Texto Anterior: Torre de Gálata descortina visão da cidade e do porto de Istambul Próximo Texto: Capadócia reúne história e aventura Índice
|