São Paulo, quinta-feira, 27 de abril de 2006

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FRONTEIRA BRASILEIRA

Comunidade quilombola faz artesanato com capim dourado, que toma forma de bolsa e chapéu

Mato dos mumbucas dá brilho à visitação

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, NO JALAPÃO

Depois de cruzar algumas cercas para conter o gado, começam a aparecer pequenas casas de barro cobertas por piaçaba. A cerca de 40 km de Mateiros, no sentido de São Félix do Jalapão, há uma vila de descendentes de quilombolas, os mumbucas.
Por volta de 1908, eles vieram da Bahia, fugindo da seca e da fome e atraídos pelos rios da região. Encontraram no desabitado Jalapão um lugar para se estabelecer.
A comunidade, que se organiza de forma matriarcal, manteve-se isolada, fincou raízes e, por muitos anos, viveu à parte do mundo. Praticava agricultura e pecuária de subsistência e buscava na natureza o que de mais precisavam.
Isso durou até a descoberta do Jalapão pelos turistas. A partir daí, o contato com o mundo começou a provocar mudanças.
A intensificação do contato foi a descoberta do artesanato de capim dourado, um mato que só cresce nessa região e em uma determinada época do ano.
Das hastes do capim, que tem um intenso brilho dourado, são feitos chapéus, bolsas, caixas e outros produtos, que ganham detalhes delicados de palha de buriti.
Em uma casa construída para esse propósito, ficam expostas as peças à venda. É uma grande sala, onde tudo é mostrado de forma coletiva -as peças não têm assinatura da autora. O caixa é único e administrado pelas próprias mulheres. Os preços não são lá muito baixos -uma fruteira média custa R$ 28, um suporte de prato, como um jogo americano, sai por R$ 40, cada um-, como supõe quem compra algo direto do produtor, mas também não são absurdos, se for levada em conta a delicadeza do trabalho.
Mas o barato da visita a Mumbuca vai além da compra das peças. É ficar de bate-papo com as pessoas. Afinal, não é todo dia que se está em um lugar tão distante e isolado. Para ter uma idéia, a primeira TV apareceu por lá a menos de um ano.

Miúda
Guilhermina Matos da Silva, 77, conhecida como dona Miúda, 11 filhos, nascida e criada em Mumbuca, líder da comunidade, diz ser a responsável pela divulgação do capim dourado. Esse artesanato não é uma tradição centenária. Foi a mãe de dona Miúda que começou a fazer peças para uso próprio. Com a melhoria do acesso à região, começaram a aparecer os turistas, que se entusiasmaram com as peças e começaram a comprar.
A comunidade viu uma oportunidade, se organizou e, com apoio do governo e do Sebrae -que ajudou a aprimorar o design dos produtos-, começou a produzir em escala.

Lá e cá
A vila é formada por pequenas casas de adobe cobertas por tetos de palha. À primeira vista, o lugar parece parado no tempo, com caminhos de terra, crianças brincando e animais soltos. Mas é só à primeira vista.
Em uma observação mais atenta, surgem antenas parabólicas, decorrência inevitável da recém-instalada energia elétrica. O isolamento já não é mais tanto. Claro que, geograficamente, a vila está distante de qualquer centro urbano. Mas, com a chegada da TV e o contato com os visitantes, a vida está em transformação.
As tradições ligadas às raízes africanas estão ficando esquecidas. É cada vez maior o número de mumbucas que se convertem a religiões neopentecostais. Enquanto isso, a vida segue, com um olho na chuva que cai e no mato que cresce, e o outro, na novela das oito. (EDU MARIN KESSEDJIAN)


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