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VENEZA EM LETRAS
Se deixassem, Tintoretto pintaria até os gondoleiros
Em ensaio da década de 1950, Sartre rasgou elogios ao artista orgulhosamente veneziano do século 16
DO ENVIADO ESPECIAL A VENEZA
O pintor Tintoretto é tão
próprio de Veneza quanto o
barco de transporte público vaporetto, tendo até o repórter
ouvido uma turista dizer que
para chegar à estação de trem
iria navegar com o Tintoretto.
"Deixem-no à vontade, e ele
cobrirá com suas pinturas todas as paredes da cidade, campo algum será vasto demais, batente algum, obscuro demais
para que ele renuncie a iluminá-los; revestirá os tetos, os
passantes andarão sobre suas
belas imagens, seu pincel não
poupará nem as fachadas dos
palácios sobre o Grande Canal,
nem as gôndolas, nem talvez os
gondoleiros. Esse homem imagina que recebeu de nascença o
privilégio de transformar sua
cidade em si mesmo e, de certa
maneira, pode se sustentar que
ele tem razão."
Assim o filósofo francês
Jean-Paul Sartre (1905-1980)
emoldura o mercado de arte em
Veneza na época de Tintoretto
(1519-1594), de nascença Jacopo Robusti, um dos pintores
que mais cobriram paredes da
cidade com obras suas.
Contemporâneos dele, Ticiano (1490-1576) e Veronese
(1528-1588) viveram a maior
parte de suas vidas em Veneza e
morreram lá, mas não eram venezianos de nascença.
Na época dos três, "os pintores ficavam com os quadros na
praça. Os compradores chegavam, examinavam todos e os levavam para sua igreja, sua escola, seu palácio. Era preciso oferecer e aceitar qualquer trabalho, na esperança de mostrar
talento. Tudo era fixado por
contrato: o tema, o número, a
qualidade, às vezes até mesmo
a atitude dos personagens, as
dimensões da tela. Os clientes
tinham, ai de mim, inspirações
súbitas", retrata Sartre.
O filósofo critica o desdém
que Tintoretto sofreu por parte
dos seus conterrâneos -seria
muito pretensioso para um filho de tintureiro- e de Ticiano
-seria competente além do
permitido: uma piada repetida
livros afora diz que, após abrigá-lo dez dias no seu ateliê, Ticiano percebeu que o novato
era um gênio e o expulsou.
O jeito foi, no começo da carreira, oferecer "genéricos" de
obras dos concorrentes: "Farei
um Veronese para os senhores.
E mais barato", prometia o artista aos seus clientes.
Também se destacou porque,
"para pintar um bom quadro,
basta-lhe o tempo que os outros levam para fazer maus esboços", entusiasma-se Sartre.
(THIAGO MOMM)
LIVRO - "O Seqüestrado de Veneza"
Jean-Paul Sartre; ed. Cosacnaify,
102 págs., R$ 39
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