São Paulo, quinta-feira, 27 de setembro de 2007

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VENEZA EM LETRAS

Se deixassem, Tintoretto pintaria até os gondoleiros

Em ensaio da década de 1950, Sartre rasgou elogios ao artista orgulhosamente veneziano do século 16

DO ENVIADO ESPECIAL A VENEZA

O pintor Tintoretto é tão próprio de Veneza quanto o barco de transporte público vaporetto, tendo até o repórter ouvido uma turista dizer que para chegar à estação de trem iria navegar com o Tintoretto.
"Deixem-no à vontade, e ele cobrirá com suas pinturas todas as paredes da cidade, campo algum será vasto demais, batente algum, obscuro demais para que ele renuncie a iluminá-los; revestirá os tetos, os passantes andarão sobre suas belas imagens, seu pincel não poupará nem as fachadas dos palácios sobre o Grande Canal, nem as gôndolas, nem talvez os gondoleiros. Esse homem imagina que recebeu de nascença o privilégio de transformar sua cidade em si mesmo e, de certa maneira, pode se sustentar que ele tem razão."
Assim o filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980) emoldura o mercado de arte em Veneza na época de Tintoretto (1519-1594), de nascença Jacopo Robusti, um dos pintores que mais cobriram paredes da cidade com obras suas.
Contemporâneos dele, Ticiano (1490-1576) e Veronese (1528-1588) viveram a maior parte de suas vidas em Veneza e morreram lá, mas não eram venezianos de nascença.
Na época dos três, "os pintores ficavam com os quadros na praça. Os compradores chegavam, examinavam todos e os levavam para sua igreja, sua escola, seu palácio. Era preciso oferecer e aceitar qualquer trabalho, na esperança de mostrar talento. Tudo era fixado por contrato: o tema, o número, a qualidade, às vezes até mesmo a atitude dos personagens, as dimensões da tela. Os clientes tinham, ai de mim, inspirações súbitas", retrata Sartre.
O filósofo critica o desdém que Tintoretto sofreu por parte dos seus conterrâneos -seria muito pretensioso para um filho de tintureiro- e de Ticiano -seria competente além do permitido: uma piada repetida livros afora diz que, após abrigá-lo dez dias no seu ateliê, Ticiano percebeu que o novato era um gênio e o expulsou.
O jeito foi, no começo da carreira, oferecer "genéricos" de obras dos concorrentes: "Farei um Veronese para os senhores. E mais barato", prometia o artista aos seus clientes.
Também se destacou porque, "para pintar um bom quadro, basta-lhe o tempo que os outros levam para fazer maus esboços", entusiasma-se Sartre.
(THIAGO MOMM)


LIVRO - "O Seqüestrado de Veneza"
Jean-Paul Sartre; ed. Cosacnaify, 102 págs., R$ 39


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