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CAMINHOS MONTEVIDEANOS
Autor descreveu ruas, habitantes e odores da cidade
Para autor uruguaio, entrar na casa em que passou a infância, em Capurro, era como "recuperar a pátria"
DENISE MOTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE MONTEVIDÉU
Um dos escritores uruguaios
mais conhecidos, Mario Benedetti (1920-2009) viveu, amou
e retratou como poucos Montevidéu. O autor e sua obra por
vezes se confundem com as
ruas da cidade, com os personagens e até com os odores que
exala a capital do Uruguai.
Em textos que se tornaram
clássicos da literatura contemporânea internacional, como
"A Trégua" (1960), ou em relatos mais pessoais, como "A Borra do Café" (1992), Benedetti
descreve praças, parques,
praias e cenas cotidianas da cidade, cujo enredo se desenrola
a cada página, a cada esquina
dos muitos passeios traçados
pela imaginação do escritor.
Apesar de a capital ser presença destacada em sua obra,
Mario Orlando Brenno Hardy
Hamlet Benedetti -a superlativa certidão de nascimento é
herança da família paterna,
vinda da Itália- nasceu em Paso de los Toros, cidade de
13.500 habitantes a 250 quilômetros de Montevidéu.
Em razão da vida nômade de
seus pais, "que tinham mania
de se mudar", como ele comentaria em diversas entrevistas,
Benedetti chegou à capital aos
quatro anos de idade. A partir
daí viveria em nada menos que
22 casas em diversos bairros da
cidade, durante a infância e a
adolescência.
De todos eles, o escritor, que
antes de morrer morava no
centro, elegeu Capurro, na periferia da capital, como seu ninho montevideano por excelência (leia na página F6).
As peculiaridades do lugar,
apesar de todos os problemas
de infraestrutura que emergem
de seus escritos, conquistaram
o autor, que mencionaria o
bairro reiteradamente ao longo
de sua obra.
"A casa tinha uma paisagem e
também tinha um tato. Os apagões não eram tão frequentes
como o foram anos mais tarde,
mas de vez em quando o bairro
inteiro mergulhava nas trevas.
(...) Para meus pais, sempre foi
uma casa meramente alugada,
mas eu não percebia muito claramente o limite entre locação
e propriedade, de modo que para mim a casa de Capurro foi
minha casa. (...) Quando chegava da rua e abria a porta, a casa
me recebia com seu cheiro próprio, e para mim era como recuperar a pátria", descreve em
"A Borra do Café".
Outros lugares eleitos pelo
autor durante toda a vida foram
os bairros de Malvín, eminentemente residencial, Reus, caracterizado pelas lojas de uruguaios pertencentes à comunidade judaica, e Punta Carretas,
que atualmente é um epicentro
de lojas, bares e restaurantes
sofisticados.
Integram ainda a cartografia
emocional do autor a "rambla"
da capital, calçadão que margeia o rio da Prata, e o extinto
café Sorocabana, na rua 25 de
Mayo, no centro histórico de
Montevidéu. Aí foi seu refúgio
para, no horário do almoço -as
duas horas de folga que tinha
do trabalho em um escritório
imobiliário-, escrever "A Trégua". A tarefa lhe consumiu um
ano, farto de anotações (e de
sanduíches).
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