São Paulo, quinta-feira, 28 de maio de 2009

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CAMINHOS MONTEVIDEANOS

Autor descreveu ruas, habitantes e odores da cidade

Para autor uruguaio, entrar na casa em que passou a infância, em Capurro, era como "recuperar a pátria"

DENISE MOTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE MONTEVIDÉU

Um dos escritores uruguaios mais conhecidos, Mario Benedetti (1920-2009) viveu, amou e retratou como poucos Montevidéu. O autor e sua obra por vezes se confundem com as ruas da cidade, com os personagens e até com os odores que exala a capital do Uruguai.
Em textos que se tornaram clássicos da literatura contemporânea internacional, como "A Trégua" (1960), ou em relatos mais pessoais, como "A Borra do Café" (1992), Benedetti descreve praças, parques, praias e cenas cotidianas da cidade, cujo enredo se desenrola a cada página, a cada esquina dos muitos passeios traçados pela imaginação do escritor.
Apesar de a capital ser presença destacada em sua obra, Mario Orlando Brenno Hardy Hamlet Benedetti -a superlativa certidão de nascimento é herança da família paterna, vinda da Itália- nasceu em Paso de los Toros, cidade de 13.500 habitantes a 250 quilômetros de Montevidéu.
Em razão da vida nômade de seus pais, "que tinham mania de se mudar", como ele comentaria em diversas entrevistas, Benedetti chegou à capital aos quatro anos de idade. A partir daí viveria em nada menos que 22 casas em diversos bairros da cidade, durante a infância e a adolescência.
De todos eles, o escritor, que antes de morrer morava no centro, elegeu Capurro, na periferia da capital, como seu ninho montevideano por excelência (leia na página F6).
As peculiaridades do lugar, apesar de todos os problemas de infraestrutura que emergem de seus escritos, conquistaram o autor, que mencionaria o bairro reiteradamente ao longo de sua obra.
"A casa tinha uma paisagem e também tinha um tato. Os apagões não eram tão frequentes como o foram anos mais tarde, mas de vez em quando o bairro inteiro mergulhava nas trevas. (...) Para meus pais, sempre foi uma casa meramente alugada, mas eu não percebia muito claramente o limite entre locação e propriedade, de modo que para mim a casa de Capurro foi minha casa. (...) Quando chegava da rua e abria a porta, a casa me recebia com seu cheiro próprio, e para mim era como recuperar a pátria", descreve em "A Borra do Café".
Outros lugares eleitos pelo autor durante toda a vida foram os bairros de Malvín, eminentemente residencial, Reus, caracterizado pelas lojas de uruguaios pertencentes à comunidade judaica, e Punta Carretas, que atualmente é um epicentro de lojas, bares e restaurantes sofisticados.
Integram ainda a cartografia emocional do autor a "rambla" da capital, calçadão que margeia o rio da Prata, e o extinto café Sorocabana, na rua 25 de Mayo, no centro histórico de Montevidéu. Aí foi seu refúgio para, no horário do almoço -as duas horas de folga que tinha do trabalho em um escritório imobiliário-, escrever "A Trégua". A tarefa lhe consumiu um ano, farto de anotações (e de sanduíches).


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