São Paulo, quinta-feira, 28 de junho de 2007

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DEPOIMENTO

Laptop é surrupiado em trem

DO ENVIADO ESPECIAL A ESPANHA

Havia poucas passagens disponíveis, o que me obrigou a viajar de primeira classe. Preferi fazer o trajeto entre Barcelona e Madri de trem por causa do conforto. Minha bagagem limitava-se a uma mochila de 70 litros e uma sacola. Entrei no vagão, coloquei a mochila no bagageiro. Outros passageiros fizeram o mesmo. Meu assento era o primeiro.
Havia cerca de 40 cm de espaço entre a minha vaga e as malas.
O vagão encheu, e o trem saiu pontualmente às 20h15 . A chegada seria às 6h20.
Por volta das 23h, fui ao vagão-restaurante pegar uma água e voltei. Levei cerca de 15 minutos. O trem fez a primeira parada. Outras se seguiriam por toda a noite. Custei a dormir. Na última vez que consultei o relógio, era 0h50. Reclinei o assento e adormeci.
Algum tempo depois, despertei com o burburinho de um diálogo sussurrado entre duas pessoas. Tentei entender o que diziam, mas não reconheci o idioma. Consultei o relógio: 1h30. Virei e vi dois homens, um sentado no chão e o outro agachado, conversando.
Estranhei que estivessem no chão no vagão de primeira classe. Imaginei que fossem clandestinos. Estiquei o pescoço e vi que minha mochila estava onde eu a havia deixado. O trem parou em mais uma estação.
Nesse instante, o bilheteiro entrou no vagão com dois policiais. Perguntou ao homem sentado no chão se tinha passagem, e ele sinalizou que não entendia espanhol. Então percebi que havia uma mulher sentada no chão atrás de mim, no espaço que havia entre o meu assento e o bagageiro.
Após certo bate-boca, o clandestino passou a explicar, em espanhol, que ele e a esposa eram estrangeiros e que não tinham dinheiro para a viagem. Precisavam apenas chegar a Madri. O bilheteiro falou que não havia o que fazer, que eles descessem naquela parada mesmo. Houve certa relutância, o casal tentou se explicar, mas acabou desembarcando.
Quando um policial passou pelo bagageiro, pude vê-lo pegar uma folha de jornal entre as malas. Eu havia enrolado com folhas de jornal um computador portátil que eu guardara dentro da mochila.
Fui verificar. E o computador não estava mais lá. Haviam furtado o aparelho, cabos, mouse e as 1.400 fotos que eu havia tirado para esta matéria. Avisei imediatamente que havia sido furtado e desci do trem em busca dos policiais. O casal clandestino foi revistado.
Não tinha nada. Vasculharam o trem, também em vão.
O tempo corria, e o bilheteiro avisou que o trem precisava sair. Me garantiu que acionaria a polícia para fazer uma busca nas cidades em que já havíamos parado. Mesmo contrariado, voltei a embarcar.
Na Europa, muitas estações dão livre acesso à plataforma de embarque. Qualquer um pode subir ou descer de um trem a qualquer momento, dependendo do itinerário. É possível inclusive entrar em um trem, furtar algo e descer antes mesmo que ele parta.
Passageiros vizinhos disseram que havia um terceiro clandestino, do Marrocos, circulando pelos vagões, mas ninguém mais o viu. Mil hipóteses foram levantadas. Chegaram a me dizer que eu deveria ter carregado a mochila no colo.
Bem, a mochila tinha 20 kg, e, de qualquer maneira, achei que guardar o aparelho entre as roupas na bolsa seria mais seguro do que carregar separadamente o volume de um laptop.

Comum na Espanha
Aeroportos e estações são locais propícios a furtos em qualquer lugar do mundo, mas, em vinte dias na Espanha, não vi nem ouvi comentários ou avisos sobre o perigo de furtos dentro de um trem.
Chegou um momento em que comecei a desconfiar de todos passageiros. Qualquer um poderia estar com meu computador dentro da mala. E não havia nada que eu pudesse fazer. Passei o resto da noite em claro.
Pouco mais de uma hora depois, o bilheteiro me avisou que a polícia havia feito uma varredura e não havia encontrado suspeitos nas cidades em que o trem havia parado antes.
Pensei comigo que uma hora seria um tempo curto para uma busca, mas mais do que suficiente para qualquer um desaparecer com um laptop. Minhas fotos e anotações foram ficando cada vez mais distantes.
O trem chegou ao destino na madrugada seguinte. Fui até o guichê da Renfe (sigla para Rede Ferroviária Espanhola) e preenchi uma ficha de reclamação. Fui informado de que esse crime é comum no país.
Perguntei pelo guichê da polícia, e me disseram que não havia nenhum dentro da estação. Falaram que havia um único guarda que fazia a segurança do prédio naquele momento. Conversei com ele, que indicou uma delegacia a cerca de oito quarteirões. Naquela hora, a temperatura era de 2C.
Não foi simples achar a delegacia. Uma policial me atendeu e chamou a responsável para preencher um tipo de boletim de ocorrência. O prédio era limpo e silencioso. Tinha um cheiro esterilizado de hospital, e as pessoas se moviam com calma.
Não fossem as fardas, eu poderia dizer que estava em uma clínica médica e não em uma delegacia. Os policiais ouviram minha história e produziram uma página oficial. Assinei o papel, e a mulher reiterou que esse tipo de furto é muito comum na Espanha. Falou dos problemas do país com a imigração ilegal e disse que dificilmente recuperariam o aparelho, pois os que praticam esse tipo de crime são "rápidos e eficientes". (MARCELO PLIGER)

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