|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DEPOIMENTO
Laptop é surrupiado em trem
DO ENVIADO ESPECIAL A ESPANHA
Havia poucas passagens disponíveis, o que me obrigou a
viajar de primeira classe. Preferi fazer o trajeto entre Barcelona e Madri de trem por causa
do conforto. Minha bagagem limitava-se a uma mochila de 70
litros e uma sacola.
Entrei no vagão, coloquei a
mochila no bagageiro. Outros
passageiros fizeram o mesmo.
Meu assento era o primeiro.
Havia cerca de 40 cm de espaço
entre a minha vaga e as malas.
O vagão encheu, e o trem saiu
pontualmente às 20h15 . A chegada seria às 6h20.
Por volta das 23h, fui ao vagão-restaurante pegar uma
água e voltei. Levei cerca de 15
minutos. O trem fez a primeira
parada. Outras se seguiriam
por toda a noite. Custei a dormir. Na última vez que consultei o relógio, era 0h50. Reclinei
o assento e adormeci.
Algum tempo depois, despertei com o burburinho de um
diálogo sussurrado entre duas
pessoas. Tentei entender o que
diziam, mas não reconheci o
idioma. Consultei o relógio:
1h30. Virei e vi dois homens,
um sentado no chão e o outro
agachado, conversando.
Estranhei que estivessem no
chão no vagão de primeira classe. Imaginei que fossem clandestinos. Estiquei o pescoço e
vi que minha mochila estava
onde eu a havia deixado. O trem
parou em mais uma estação.
Nesse instante, o bilheteiro
entrou no vagão com dois policiais. Perguntou ao homem
sentado no chão se tinha passagem, e ele sinalizou que não entendia espanhol. Então percebi
que havia uma mulher sentada
no chão atrás de mim, no espaço que havia entre o meu assento e o bagageiro.
Após certo bate-boca, o clandestino passou a explicar, em
espanhol, que ele e a esposa
eram estrangeiros e que não tinham dinheiro para a viagem.
Precisavam apenas chegar a
Madri. O bilheteiro falou que
não havia o que fazer, que eles
descessem naquela parada
mesmo. Houve certa relutância, o casal tentou se explicar,
mas acabou desembarcando.
Quando um policial passou
pelo bagageiro, pude vê-lo pegar uma folha de jornal entre as
malas. Eu havia enrolado com
folhas de jornal um computador portátil que eu guardara
dentro da mochila.
Fui verificar. E o computador
não estava mais lá. Haviam furtado o aparelho, cabos, mouse e
as 1.400 fotos que eu havia tirado para esta matéria.
Avisei imediatamente que
havia sido furtado e desci do
trem em busca dos policiais. O
casal clandestino foi revistado.
Não tinha nada. Vasculharam o
trem, também em vão.
O tempo corria, e o bilheteiro
avisou que o trem precisava
sair. Me garantiu que acionaria
a polícia para fazer uma busca
nas cidades em que já havíamos
parado. Mesmo contrariado,
voltei a embarcar.
Na Europa, muitas estações
dão livre acesso à plataforma de
embarque. Qualquer um pode
subir ou descer de um trem a
qualquer momento, dependendo do itinerário. É possível inclusive entrar em um trem, furtar algo e descer antes mesmo
que ele parta.
Passageiros vizinhos disseram que havia um terceiro
clandestino, do Marrocos, circulando pelos vagões, mas ninguém mais o viu. Mil hipóteses
foram levantadas. Chegaram a
me dizer que eu deveria ter carregado a mochila no colo.
Bem, a mochila tinha 20 kg, e,
de qualquer maneira, achei que
guardar o aparelho entre as
roupas na bolsa seria mais seguro do que carregar separadamente o volume de um laptop.
Comum na Espanha
Aeroportos e estações são locais propícios a furtos em qualquer lugar do mundo, mas, em
vinte dias na Espanha, não vi
nem ouvi comentários ou avisos sobre o perigo de furtos
dentro de um trem.
Chegou um momento em
que comecei a desconfiar de todos passageiros. Qualquer um
poderia estar com meu computador dentro da mala. E não havia nada que eu pudesse fazer.
Passei o resto da noite em claro.
Pouco mais de uma hora depois, o bilheteiro me avisou que
a polícia havia feito uma varredura e não havia encontrado
suspeitos nas cidades em que o
trem havia parado antes.
Pensei comigo que uma hora
seria um tempo curto para uma
busca, mas mais do que suficiente para qualquer um desaparecer com um laptop. Minhas fotos e anotações foram ficando cada vez mais distantes.
O trem chegou ao destino na
madrugada seguinte. Fui até o
guichê da Renfe (sigla para Rede Ferroviária Espanhola) e
preenchi uma ficha de reclamação. Fui informado de que esse
crime é comum no país.
Perguntei pelo guichê da polícia, e me disseram que não havia nenhum dentro da estação.
Falaram que havia um único
guarda que fazia a segurança do
prédio naquele momento. Conversei com ele, que indicou
uma delegacia a cerca de oito
quarteirões. Naquela hora, a
temperatura era de 2C.
Não foi simples achar a delegacia. Uma policial me atendeu
e chamou a responsável para
preencher um tipo de boletim
de ocorrência. O prédio era limpo e silencioso. Tinha um cheiro esterilizado de hospital, e as
pessoas se moviam com calma.
Não fossem as fardas, eu poderia dizer que estava em uma
clínica médica e não em uma
delegacia. Os policiais ouviram
minha história e produziram
uma página oficial. Assinei o
papel, e a mulher reiterou que
esse tipo de furto é muito comum na Espanha. Falou dos
problemas do país com a imigração ilegal e disse que dificilmente recuperariam o aparelho, pois os que praticam esse
tipo de crime são "rápidos e eficientes".
(MARCELO PLIGER)
Texto Anterior: País Basco: Pacotes Próximo Texto: Panorâmica - Campos do Jordão: Ingressos para o festival que começa dia 7 estão à venda Índice
|