São Paulo, segunda-feira, 28 de outubro de 2002

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"MEA CUBA"

Pagando diárias de até US$ 30, turista conhece o dia-a-dia dos nativos e como eles se viram com baixos salários

Visitante decifra a ilha em casa de família

CACÁ MONTEIRO
FREE-LANCE PARA FOLHA

O modo mais prático de decifrar os segredos de Cuba é hospedar-se em uma casa de família. Viver "a la cubana", como dizem os moradores da ilha de Fidel, revela ao turista um lado que o governo se empenha em esconder.
Existem famílias cubanas que encontraram em suas próprias casas um meio de aumentar sua renda mensal, alugando quartos para estrangeiros a diárias bem mais baratas do que as praticadas por hotéis (de US$ 20 a US$ 30).
As casas estão todas registradas no governo. Isso proporciona maior segurança aos turistas e também permite à administração cobrar impostos -paga-se mensalmente US$ 200 de imposto por quarto à disposição dos turistas, independentemente de sua ocupação. Outra taxa, anual, é cobrada por cada turista recebido.
A aventura começa em achar uma "casa particular", pois não há um sistema de divulgação do serviço. A prática, embora prevista por lei, não é incentivada. Ao ligar para o consulado cubano em São Paulo, a informação é a de que turistas não podem se hospedar em casas de famílias, que estariam destinadas a estudantes. Além disso, para obter o visto, é necessário pagar a diária de um hotel adiantado e apresentar o recibo no consulado. A dica, então, é pagar um hotel para o primeiro dia e mudar-se depois para a casa.
Estando no Brasil, a dica para encontrar uma casa de família em Cuba é consultar algum guia internacional e fazer a reserva, se você quiser conforto. Mas procurar uma casa, já estando em Cuba, é tarefa fácil: as casas registradas pelo governo exibem um triângulo azul e branco com os dizeres "arrendador inscripto". É só tocar a campainha e falar com o dono. É bom olhar o quarto e acertar o preço antes de se hospedar.
Em Havana, pode-se achar um quarto amplo, com ar-condicionado, frigobar, TV, banheiro próprio, limpeza diária e café, na charmosa Havana Velha, por US$ 30. Já no decadente centro de Havana, pelo mesmo valor, encontram-se quartos pouco indicados.

Modo de vida
Uma vez encontrada a casa, chega o momento de realmente conhecer Cuba. Quase todas as famílias oferecem refeições típicas crioulas a preços baixos ou podem indicar saborosos "paladares" (restaurantes caseiros).
O modo de vida de cada cubano é por si só fascinante. Como eles são muito abertos, em alguns minutos você descobre como se viram para conseguir mais dinheiro do que o baixíssimo salário mensal, onde os nativos se divertem à noite, as crenças da santeria (religião de origem africana), como as jovens arrumam roupas importadas e ainda os mercados onde eles abastecem suas despensas, inclusive com as famosas lagostas -encontradas mesmo em temporada de pesca proibida.
Cada família é uma experiência única. Existem as que o levam a passeios em praias onde os cubanos podem entrar (que não têm nada a ver com as praias turísticas do Caribe) pelo prazer da companhia de um estrangeiro. Outros o fazem em troca de uns dólares. E existem ainda os que passam as tardes em frente à televisão, assistindo a programas de propaganda política e reclamando do regime.
Há os que contam que foram para a prisão quando, em 1994, foram capturados tentando fugir em grandes câmaras de pneu de trator, durante o êxodo dos balseiros. Muitos falam de parentes exilados nos EUA, enquanto outros, em geral os mais velhos, narram como a revolução lhes deu melhores condições de vida.
Pode-se até encontrar um marinheiro nostálgico, olhando o mar sentado no muro do Malecón, pensando nos amores que teve no Rio quando trabalhava no mar.
Enfim, além de ser mais econômico, viver "a la cubana" é essencial para quem quer descobrir o que há além dos mojitos, da salsa e das praias paradisíacas de Cuba.


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