São Paulo, quinta-feira, 29 de março de 2007

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VULCÃO DE CORES

Floresta transborda de mistérios e heranças maias

Passeio arqueológico de três horas recompensa visitante com saborosas noções do povo que viveu ali

DA ENVIADA ESPECIAL À GUATEMALA

É caminhando no meio da floresta de Petén, a 506 quilômetros da capital guatemalteca, que acontece o passeio por um dos sítios arqueológicos mais misteriosos do planeta, também conhecido como "o mundo perdido dos maias".
Ouvir vozes ou perder a bolsa no meio da caminhada e encontrá-la, por acaso, metros à frente, escondida em algum canto, fazem parte do programa. Pelo menos, é o que garantem os guias turísticos mais velhos de Tikal, um dos maiores centros da civilização maia já descobertos. Eles garantem que quem prega essas peças nos visitantes são os espíritos que habitam o local, só por diversão ou para darem o ar da graça.
O significado do nome comprova a história que, de tão bem contada, faz com que os turistas prossigam a aventura com bolsas e máquinas fotográficas coladas ao corpo: em um dos dialetos locais, "tikal" quer dizer "lugar de vozes" ou "lugar de línguas". Se o que os guias contam for verdade, os 560 quilômetros quadrados desse parque nacional, aberto à visitação há 60 anos, são pequenos para os espíritos de uma civilização que, no seu auge (entre os séculos 200 e 800 d.C.), já contou com uma população entre 100 mil e 200 mil habitantes.
Durante a visita da reportagem, nada de sobrenatural aconteceu e ninguém ouviu barulhos que não os das vozes dos próprios guias ou turistas. No máximo chegava, baixinho, sons de animais -principalmente macacos e pássaros- que povoam a mata, cenário do percurso de cerca de três horas.
Mas, de fato, há algo de mágico em subir as centenas de degraus dos templos onde eram realizadas cerimônias religiosas, contemplar o que já foi um palácio, uma prisão, uma casa ou uma praça ou ir para um campo onde os locais se divertiam com seu jogo predileto, muito parecido com o futebol.
A caminhada é longa e, quando você pensa que acabou, surge, no meio do nada, um templo que vai surpreendendo no seu tamanho, quanto mais perto se chega dele. A Pirâmide 4, com 72 metros de altura e construída no ano 470 d.C. é a maior.
Não são todas as ruínas restauradas que têm uma utilidade conhecida. Não há como deixar de se perguntar, por exemplo, o que levava os governantes da época a construírem monumentos de pedra tão altos e imponentes. Até porque a maior parte deles é maciça, sem nenhum tipo de câmara interna. "O tamanho estava relacionado a disputas políticas. Era pela monumentalidade que se media o poder", explica Eduardo Natalino dos Santos, 37, professor de América Pré-Hispânica do Departamento de História da USP (Universidade de São Paulo).
Esses templos eram feitos com um tipo de arquitetura que foi herdada dos zapotecas, povo anterior aos maias. As chamadas pirâmides escalonadas não terminam apontando para o céu, mas em uma plataforma, de onde é possível visualizar imensa parte do parque. Dá pra dizer que o que vemos hoje é uma espécie de palco gigante onde eram realizados atos públicos, de cunho político ou religioso. Por isso, as escadas. Essas construções, originalmente multicoloridas, ficavam próximas às casas da elite da época. A população vivia nos arredores, em casas de madeira que não resistiram ao tempo.
A atividade básica era a agricultura, principalmente o cultivo do milho. Não havia moeda, mas, nem por isso, o comércio deixava de existir. Tecidos, alguns tipos de pedra e plumas de aves tropicais giravam a economia, à base de trocas. Cada cidade tinha um governo próprio, mas um centro conhecido como Tikal dominava vários outros. Quando um soberano morria, outro era escolhido por consenso. Geralmente, elegia-se um parente próximo.

Medicina e beleza
Durante a caminhada entre um monumento e outro, vale a pena não se distanciar muito do grupo. Primeiro, claro, para não se perder. Depois, para conhecer parte da vegetação que fazia parte da vida daquela civilização. Se o guia pedir para que a turma mastigue uma semente que deixa a sensação de dormência na boca, não se assuste. O efeito passa logo e você vai conhecer o que os maias utilizavam como analgésico para procedimentos médicos, como arrancar um dente.
Quem sentir indisposição estomacal durante o percurso não precisa se preocupar: basta pedir ao guia que, no caminho, encontre o "remédio" que o povo mastigava quando tinha dor de barriga. Entre as plantas mais inusitadas, estão as que eram mais utilizadas pelas mulheres: uma que fazia as vezes de pílula anticoncepcional e outra que rendia a elas uma receita de beleza. Esta última é cobiçada hoje por famosas marcas de cosméticos, que precisam da planta como ingrediente das fórmulas de cremes para rejuvenescimento. (PPR)


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