São Paulo, quinta-feira, 29 de setembro de 2005

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CIÊNCIA SALVA

No ano em que a relatividade faz cem anos, turista segue rastro do imigrante

Einstein "Como foram bons os anos em Berna"

DA ENVIADA ESPECIAL À SUÍÇA

Na época, os cabelos estavam bem mais domados. Talvez por isso ninguém reparasse naquela figura bigoduda de 26 anos, que, no segundo andar do número 49 da Kramgasse, estava virando a física de ponta-cabeça.
Há exatos cem anos o então habitante de Berna Albert Einstein (1879-1955) publicava as bases da teoria da relatividade -que jogava por terra as noções de tempo e espaço como algo absoluto e inflexível.
Nascido na Alemanha, em Ulm, foi para a Suíça aos 16 anos: fez os exames de conclusão do ensino médio em Aarau e formou-se em matemática e física pelo Instituto Tecnológico Federal da Suíça, em Zurique. Chegou de mala e cuia em Berna em 1902, como um simples técnico do Escritório de Patentes, seu primeiro emprego. Ele então pôde se casar com a ex-colega de faculdade Mileva Maric, com quem já havia tido uma filha -que não foi criada pelos pais, e cujo paradeiro é desconhecido.
Por sete anos, até 1909, Einstein deu o ar da graça pelas ruas medievais da capital suíça. Como o centro de Berna não mudou muito do século 15 para cá (leia texto na pág. F4), dá para refazer os passos rotineiros do físico pela cidade -e, quem sabe, até se sentir um pouquinho mais inteligente.
O ponto de partida é o apartamento em que a família morou de 1903 a 1905 (nessa época, o casal havia tido outro filho, Hans), na Kramgasse. Tudo bem, sabe-se que o espaço é relativo, mas não há outra definição para a casa senão minúscula. O local virou o museu Einstein-Haus, cuja intenção é boa, mas o acervo, pífio.
Havia três cômodos: sala, quarto da criança e quarto do casal (que hoje é a recepção). A cozinha e o banheiro eram divididos com outro apartamento -área que não está aberta aos visitantes. Na decoração, mobília e objetos da época e fotos, mas nenhum móvel original. Há apenas duas cadeiras e um sofá que de fato foram usados pelo físico, mas em Princeton (EUA), não na Suíça.
De lá, ele seguia pelo entroncamento de galerias até a Speichergasse, esquina com a Genfergasse. Era lá a sede do antigo Escritório de Patentes; hoje, uma unidade do grupo Swisscom. Apesar de não ser próprio para visitação, pode-se dar uma espiada no hall, além de observar os pormenores da construção, do lado de fora.
Se fosse possível, a partir desse ponto, cortar os trilhos que chegam à estação de trem, Bahnhof, repetiria-se o caminho que Einstein fazia do trabalho -em 1907 o escritório mudou para um prédio próximo, na Bollwerk- à Universidade de Berna. Ele cruzava uma colina nada gentil para encontrar os poucos alunos que se dispunham a ouvir o professor externo, contratado em 1908.
Hoje, o melhor caminho é subir as escadas rolantes da estação de trem, cortar o estacionamento e enfrentar os vários degraus de uma escura passagem, à direita. A escadaria desemboca num terraço que leva o nome do cientista, de onde se avista, lá embaixo, o centro -o físico devia chegar esbaforido à sala de aula.
Suas palestras aconteciam no edifício principal da universidade centenária (fundada em 1834), que fica à esquerda do terraço. Explore esse prédio: suba as escadas, encoste-se nas janelas, junte-se aos estudantes que descansam no fim de tarde no gramado em frente. O sorriso maroto que Einstein fazia ao posar para fotos indica que o cientista aprovaria o momento. Afinal, ele mesmo disse: "Como foram bons aqueles anos em Berna".

Peça de museu
Como forma de render homenagem ao ilustre morador, o Museu Histórico de Berna abriga, até 17 de abril de 2006, a maior exposição já dedicada ao gênio de cabeleira rebelde.
Há, claro, tudo o que se espera encontrar em uma mostra desse porte: fotos, documentos, depoimentos, salas interativas que explicam (ou aos menos tentam) as teorias do físico.
Entre essa batelada de fatos históricos, descobrem-se certas preciosidades. A foto do segundo ano da escola, por exemplo, traz o Einstein menino como o único sorridente entre seus colegas. Alguns anos depois, quando o casamento com Mileva estava mal das pernas, o cientista escreveu uma série de regras a serem cumpridas pela mulher, como condição para que a união não se dissolvesse. Um painel projeta as normas, que, de tão absurdas, beiram à comicidade: "Você não pode expressar carinho por mim publicamente" ou "Se eu pedir para você se calar, faça-o imediatamente". Ela não aceitou, e o casal se separou em 1914. (JULIANA DORETTO)

Einstein-Haus - Kramgasse 49. Funciona, até o dia 31/10, todos os dias, das 10h às 19h; de 1º/11 a 15/12, de terça a sexta, das 13h às 17h; e aos sábados, das 12h às 16h. De 16/1 a 31/12: fechado. Ingresso: CHF 6 (R$ 10) e CHF 4,50 (R$ 8, adultos e crianças).
Museu Histórico de Berna - Helvetiaplatz 5. Funciona todos os dias, das 10h às 17h. Entrada: CHF 24 (R$ 42) e CHF 12 (R$ 21, até 16 anos); www.bhm.ch.


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