São Paulo, quinta-feira, 31 de março de 2011

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ANÁLISE

Beatificação levou apenas seis anos após morte

Rapidez no processo passa por afeto e afinidade política com Bento 16

JOÃO BATISTA NATALI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O papa Bento 16 baixou normas que simplificam as cerimônias de beatificação.
Por exemplo: não é mais necessário que o próprio papa esteja presente à missa que oficializa o novo beato.
Mas em 1º de maio, na basílica de São Pedro, no Vaticano, Estado católico que é um enclave dentro da cidade de Roma, será aberta uma compreensível exceção.
O papa Bento 16 presidirá a cerimônia de beatificação de seu antecessor, João Paulo 2º (1920-2005), que deverá atrair até Roma centenas de milhares de católicos, sobretudo da Polônia, onde nasceu o então cardeal Karol Józef (grafia original) Wojtyla.
A beatificação é o último estágio que precede a canonização, quando então o católico passa a integrar o panteão de santos.
Para ser beatificado é exigida a comprovação de um milagre, isso se a morte não ocorreu em circunstâncias de martírio.

UM MILAGRE
No caso de João Paulo 2º, o milagre, segundo o Vaticano, aconteceu em 2005 com uma freira francesa, Marie Simon-Pierre, misteriosamente curada do mal de Parkinson, a mesma moléstia que debilitou em seus últimos anos o papa polonês.
Há pelo menos duas dimensões nesse processo relativamente rápido de beatificação. Em primeiro lugar, o afeto despertado por esse papa de longo pontificado -mais de 23 anos- e que correu o mundo, visitando 129 países ou regiões autônomas, algumas delas em que o catolicismo era minoritário (no caso de Reino Unido e da Turquia) ou mesmo segregado (como ocorre em Cuba).
Mas existe também uma questão de afinidade política entre João Paulo 2º e seu sucessor. Ambos concebem a igreja por seus valores espirituais e rejeitam formas de politização que nos anos 60 e 70 geraram a teologia da libertação e um engajamento à esquerda de uma parcela da hierarquia católica.
O então papa foi para tanto auxiliado pelo prefeito da Congregação da Doutrina da Fé, o cardeal alemão Joseph Ratzinger, que hoje atende pelo nome de Bento 16.
O papa morto em 2005 vinha de um país na época comunista. Teve um papel importante no enfraquecimento da ditadura polonesa.
Em termos práticos, isolou os cardeais comprometidos com a "igreja progressista" e promoveu bispos afinados com sua visão de ortodoxia.
Ele ainda desapontou facções ingênuas do catolicismo que pediam da ordenação de mulheres como padres até o reconhecimento de casais de pessoas do mesmo sexo.

POLÍTICA E FÉ
A forte dimensão política está também presente na relativa rapidez com que o processo tramitou na Santa Sé. O último papa a se tornar beato, João 23, morreu em 1963 e esperou 37 anos para ascender a seu novo estatuto. No caso de madre Teresa de Calcutá, que encarnava a religião de modo filantrópico e apolítico, em apenas seis anos a beatificação já estava consumada.
Circulam entre os católicos dois outros exemplos de politização dos rituais do Vaticano. O primeiro deles diz respeito a Oscar Romero, arcebispo salvadorenho que foi assassinado em 1980 por supostas simpatias com a guerrilha de esquerda. Seu processo está engavetado há 31 anos. O exemplo oposto é o de Josemaría Escrivá de Balaguer, o fundador da Opus Dei, canonizado 27 anos depois de morrer.
Digamos, no entanto, que a soma desses casos não subtrai de João Paulo 2º a merecida reputação mundial de um dos homens mais influentes do final do século 20.
Ele atraía por onde passava multidões comovidas por sua simplicidade, pela maneira direta de dizer as coisas, por sua bonomia e seu sorriso e, sobretudo, pela fé que transmitia como um dos grandes comunicadores na história do cristianismo.


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