São Paulo, quinta-feira, 31 de agosto de 2006

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Na Galícia, natureza ameniza o sacrifício

DA ENVIADA ESPECIAL

A Galícia é, possivelmente, a região mais bonita do caminho de Santiago do ponto de vista da interação entre o viajante e a natureza. Ao contrário de muitos outros trechos em que o peregrino é forçado a caminhar à beira da estrada e enfrentar o barulho de carros, ônibus e caminhões, aqui ele atravessa bosques e montes em meio a carvalhos centenários, com o ruído apenas de seus próprios passos e dos pequenos córregos. Mesmo para quem faz a viagem de carro o visual é de tirar o fôlego.
A porta de entrada na Galícia é o Cebreiro, aonde se chega depois de percorrer as montanhas da serra dos Ancares e de Courel, subindo de cerca de 500 m para 1.300 m de altitude. É um dos mais importantes pontos de encontro de peregrinos, e muitos começam o trajeto daí, a 150 km de Santiago.
Após a árdua subida, o momento da chegada é potencializado porque antes os peregrinos passaram pela Cruz de Ferro, um marco simbólico onde o viajante é convidado a deixar para trás uma pedra e tudo o que lhe "pesa" fisicamente ou espiritualmente na caminhada. Há de tudo aos pés da cruz: de "tupperwares" a fotos, lenços e algumas bandeiras brasileiras.
O publicitário paulistano Marcos Valério, 42, acabava de subir o Cebreiro de bicicleta. "Não sou emotivo, mas comecei a chorar. A sensação é de "eu consegui'", conta Valério, nada a ver com o também publicitário envolvido no mensalão. Depois de 12 anos sem fazer exercícios, ele se preparou por um mês e meio para a jornada, iniciada em Pamplona.

Milagre
O templo de Santa María La Real, no Cebreiro, é a igreja mais antiga do caminho, construída em meados do século 9º por monges beneditinos. Apesar de ter passado por diversas reformas, ainda conserva parte de sua estrutura pré-românica, com três naves, e uma pia batismal em que se realizavam batismos por imersão até o século 12 ou 13.
Foi nessa igreja que, segundo os crentes, ocorreu um dos mais famosos milagres do caminho, o do santo Graal. Segundo a tradição, um camponês foi à missa na igreja em um dia de inverno e havia uma grande tempestade. O monge que rezava a missa riu do sacrifício do camponês ao vê-lo entrar. Nesse momento o pão e o vinho que consagrava se transformaram no corpo e no sangue de Jesus Cristo. Em 1486, os Reis Católicos (Fernando de Aragão e Isabel de Castela), em peregrinação a Santiago, fizeram uma parada no Cebreiro e doaram o relicário onde se guardam os restos do milagre. Está até hoje na capela, junto à pátena e ao cálice, uma peça românica do século 12 que é o símbolo da Galícia.
Da imagem de Santa María na capela, diz-se que inclinou a cabeça para poder ver o milagre e assim ficou. O povoado do Cebreiro é coalhado de "pallozas", típicas construções pré-românicas circulares em que no mesmo recinto ficavam a residência, o estábulo e o celeiro, provavelmente de origem celta. É famoso também o queixo do Cebreiro (queijo com denominação de origem). (CVN)

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