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CRÍTICA
Publicitários brincam de democracia na TV
FERNANDO DE BARROS E SILVA
especial para a Folha
Depois de Eduardo Suplicy e
Benedita da Silva, que viveram
seu dia como dublês de senadores e galãs de novela no ``Rei do
Gado'', agora é a vez do PT, o
partido inteiro, que resolveu
brincar de garoto-propaganda
na televisão.
A peça publicitária veiculada
nesta semana pelo partido, diretamente inspirada em campanha
recente da Folha, é uma espécie
de atestado de óbito -e não apenas do PT, o que parece óbvio,
mas também da política, o que é
menos evidente.
Que houve apropriação deliberada de uma criação alheia, definida por um alto dirigente do
partido como um ``exercício
bem-humorado de metalinguagem'', é algo sobre o qual não
restam muitas dúvidas.
Se essa ``cópia'' é passível de alguma forma de punição, é uma
questão a ser resolvida pela Justiça. Não é esse, porém, o ponto
que nos interessa aqui.
Mais grave do que o próprio
plágio, é a atmosfera que o tornou possível. A situação é paradoxal. No momento em que os
partidos ganham o direito de ir à
TV, no instante em que conquistam espaço para falar a todo o
país em horário nobre, eles sintomaticamente não têm mais nada a dizer.
Vivemos uma espécie de Lei
Falcão às avessas: no regime militar, havia uma demanda política represada à força por uma legislação arbitrária e restritiva;
hoje, conquistada a liberdade de
expressão, ela se frustra imediatamente numa espécie de tagarelice vazia, que na maior parte das
vezes não faz mais do que macaquear os avanços formais da técnica publicitária.
Jornal, idéias, fraldas, leite em
pó, detergente, utopias e goiabada -tudo está subordinado à lógica tentacular da mercadoria.
Ela é como a morte, nada lhe escapa.
Seria razoável esperar de um
partido que ainda se diz de esquerda que tomasse esse constrangimento histórico como um
problema a ser pensado, e não
que embarcasse na nova onda
sem medo de ser feliz.
A ``malandragem'' da propaganda petista tem como contraponto a ``falsa ingenuidade'' da
recente campanha pela reeleição
veiculada na TV pelos aliados de
FHC. Nesta última, uma mocinha meio boboca, fazendo o tipo
estudante bem-intencionada, dizia que o maior pecado que se
poderia cometer agora seria colocar em risco a estabilidade, a
moeda forte. Contra isso, reeleição na cabeça.
Num caso como no outro, seja
o personagem o PT ou os áulicos
de FHC, vende-se a ilusão de que
algo substantivo ainda depende
da política. Não depende. Queiramos ou não, o mundo todo entrou numa fase já corretamente
batizada de ``era globalitária''.
Ao contrário do totalitarismo,
cujo sucesso se devia à repressão
a toda forma de oposição ou liberdade de expressão, os ``regimes globalitários'' incentivam ao
máximo a parafernália democrática (eleições regulares, imprensa livre, instituições saudáveis
etc.), ao mesmo tempo em que a
transforma num ritual vazio,
sem qualquer efeito sobre o curso do mundo.
Como crianças, estamos brincando de democracia. E nesse jogo, os publicitários são os craques.
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