São Paulo, domingo, 04 de agosto de 2002

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PAÍS SEM MEMÓRIA

"Pantanal" e os primeiros programas de Xuxa e Angélica estão lacrados e sem conservação

Acervo da Manchete está se perdendo

MARCELO BORTOLOTI
FREE LANCE PARA A FOLHA

NO PROCESSO de falência da Bloch Editores, quem acabou condenado foi o acervo de imagens da extinta TV Manchete, que pertencia ao mesmo grupo. A maior parte das fitas da emissora ficou presa no prédio da Bloch, lacrado pela Justiça, sob péssimas condições de conservação. Entre as obras que se deterioram no local há um ano, estão novelas como "Pantanal", "Dona Beija" e "Xica da Silva".
A TV Manchete vendeu sua concessão para o Grupo Ômega (Rede TV!), mas todos os ativos, incluindo equipamentos e o acervo de imagens, foram comprados pela Hesed Participações, empresa de Fábio Saboya. Ele afirma que estava fazendo o levantamento das fitas quando foi expulso do prédio por oficiais de Justiça. O edifício foi lacrado no processo de falência, e tudo o que estava lá dentro passou para a responsabilidade da massa falida da Bloch Editores. "O ar condicionado e os aparelhos de desumidificação foram desligados. Todo o material está estragando", diz Saboya.
O juiz Walter Soares, que responde pela massa falida, não quis dar entrevista. Mas o TV Folha apurou que todo o patrimônio contido no prédio foi arrecadado para o pagamento de dívidas trabalhistas e irá a leilão. O material está em fase de catalogação, e não há previsões para que saia de lá.
Mesmo que Flávio Saboya consiga na Justiça o direito de retirar as fitas do edifício, será necessária uma longa auditoria para separar deste acervo o que é pertencente à Bloch Som e Imagem, uma terceira empresa, também detentora de imagens de algumas novelas produzidas pela Manchete.
Neste processo kafkiano, a morosidade da Justiça não é o único complicador, também falta interesse dos proprietários. Saboya reconhece que o valor comercial do acervo não é mais suficiente para cobrir seus custos. Segundo ele, para manter as quase 98 mil fitas em local aclimatado, seriam necessários pelo menos R$ 30 mil por mês. "Já propus até doar esse material para um órgão competente, porque, como lucratividade para a minha empresa, não é mais interessante", diz.
O documentarista Nelson Hoineff, que produziu programas exibidos pela Manchete, como o "Documento Especial", acha difícil a recuperação do acervo. "Até hoje não se olha para a TV culturalmente, ela ainda é vista como um veículo efêmero", diz.
Ana Olivero, chefe de arquivo da TV Manchete, se diz magoada com a situação. "Eu implantei aquele sistema de conservação de fitas em 83. Desde então, mantínhamos tudo a uma temperatura de 18 graus e com quatro desumidificadores ligados 24 horas por dia. Se isso foi desligado, pode haver perda total do material por fungos e umidade", afirma. Além das novelas, o acervo conta com os primeiros programas das carreiras de Angélica, Xuxa, Carolina Ferraz, entre outros. "É a memória televisiva do Brasil, do período que vai desde a saída do regime militar até a democratização do país", diz Olivero.



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