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CRÍTICA
O ramerrão econômico da Globo News
Fernando De Barros e Silva
A DESPEITO de ter se transformado muito mais
num canal de programas de entrevistas e debates do que numa CNN brasileira, como pretendia no início, o maior feito recente da Globo
News foi ter revelado em primeira mão a queda de Andrea Calabi do BNDES. Anunciado no "Jornal das Dez", o
carro-chefe da emissora, o "furo", com o se diz em jargão
jornalístico, colocou as redações em polvorosa. Todo
mundo saiu correndo atrás do prejuízo. Ponto para a
emissora. Furo é furo, pouco importa a sua proveniência,
mesmo que a notícia tenha sido "vazada" pelo Palácio do Planalto, o primeiro
interessado em fazê-la circular madrugada adentro. É sintomático, porém, que a
Globo News tenha sido eleita pelo poder
central para cumprir a tarefa. Vista por
um ângulo menos óbvio, a notícia pode
muito bem ser lida como mensagem oficiosa do Planalto, e o telejornal, como
um porta-voz de plantão, fora do horário
de serviço. Mas vamos por partes.
O "Jornal das Dez", apresentado por
André Trigueiro, talvez seja hoje o melhor telejornal brasileiro. Suas qualidades porém são também os seus defeitos.
O jornal é uma espécie de diário da corte,
feito quase todo em torno de Brasília e
para o público de Brasília e seus satélites
-a elite política e empresarial do país.
Fala da e para a Casa Grande, enquanto o
"Jornal Nacional", das mesmas Organizações Globo, se dirige à Senzala, mais
para ocupá-la e comovê-la antes da novela do que para
informá-la, porque o desafio do "JN" é preservar sua audiência oceânica, e não informar a opinião pública, que
aliás não existe no Brasil.
Qualidades que são defeitos e vice-versa, o que significa
isso? No caso da Globo News, significa que a emissora se
permite um grau de pluralismo e de controvérsia no trato
da política que, por limitado e precário que ainda seja, é
até hoje impensável no caso da Globo. Essa, por assim dizer, democracia eletrônica controlada na emissora paga,
antes de ser um avanço em si mesma, atua como contrapeso e disfarce para a ausência quase total de debate efetivo na esfera econômica, que é hoje o que interessa. É como se a política tivesse se transformado num apêndice do
colunismo social -aliás, se transformou mesmo-, numa espécie de diversão para a elite que se alimenta de suas
próprias intrigas, sem maiores consequências para ninguém.
O liberalismo político, antes portanto de ser um valor,
funciona como verniz para a ditadura mal-disfarçada do
noticiário econômico, cuja tônica é pautada pela cartilha
da modernização conservadora de FHC, com suas variantes. Que se repare no flagrante descompasso entre a
desenvoltura das análises políticas da Globo News, muitas vezes progressistas e, em alguns casos, tingidas até de
certa tonalidade esquerdista ou esquerdizante, e o ramerrame econômico, onde -está implícito- não há exatamente o que discutir, mas apenas o que repetir, numa
eterna ladainha. Tome-se como exemplo o programa
"Espaço Aberto", apresentado por Míriam Leitão. Na última quarta-feira, entrevistava o neopoderoso Alcides
Tápias, ministro do Desenvolvimento. A conversa segue
seu ritmo fastidioso, e faz lembrar o
extinto "Crítica & Autocrítica", paradigma do tédio tecnoburocrático. Tápias enfim responde à ultima pergunta e a apresentadora emenda: "Quem
sabe teremos agora uma política industrial moderna, sem os vícios de antigamente. Vai ser um grande passo.
Estamos torcendo". Há na frase um
consenso tácito, uma ideologia de que
a apresentadora é porta-voz por assim
dizer "natural". Nem seria preciso
confessar sua torcida para sabermos
que essa camisa ela já vestiu há muito.
Esse é o lado sério do jornalismo
econômico da Globo News. Ao lado
dele, e complementando-o, há a sua
vertente anedótica, involuntariamente anedótica, é claro. No programa
"Conta Corrente", apresentado por
Tamara Leftel, o noticiário é tratado
pelo viés dos negócios. Coerente, o
programa se aproveita do fato de o Estado brasileiro ter
sido de fato reduzido a isso -viabiliza vários negócios,
inviabiliza outros e, de quebra, por pressão do PFL de
ACM (ironia fina), usa os trocados que o ministro Pedro
Malan não trancou no cofre do ajuste fiscal para negociar
um pouco mais de sopão à ralé (leia-se o fundo para a erradicação da pobreza). Pois bem, nesse "Conta Corrente"
há um "analista" que é apresentado como "antropólogo
empresarial". Seu quadro consiste em dar sugestões "antropológicas" de boa gerência empresarial. Ali vale tudo,
desde os jargões a respeito da reengenharia e da busca de
competitividade no "mundo globalizado" até dicas prosaicas, do tipo não sirva café requentado para o cliente, ele
é mais importante do que o presidente da empresa. É a
vertente monetária da auto-ajuda, não há dúvida, mas é
antes um sintoma de selvageria, em que regras básicas de
civilidade entram de contrabando num pacote de conselhos de polichinelo destinados a maximizar o lucro de
trogloditas globalizados e enfim livres do fardo de ter algum compromisso com essa obra em regresso, o Brasil.
E-mail: fbsi@uol.com.br
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