São Paulo, domingo, 05 de maio de 2002

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Concorrentes falam sobre a arte de perguntar na TV

FREE-LANCE PARA A FOLHA

"Tem coisa que não se pergunta a ninguém." Por incrível que pareça, quem diz esta frase é o punk João Gordo, 38, que apresenta o "Gordo a Go-Go", da MTV. Apesar do costumeiro e assumido escracho, o apresentador diz ter "uma certa ética" na hora de entrevistar. "Evito falar de doença, essas coisas", explica. Já o veterano Boris Casoy, 61, que apresenta o "Passando a Limpo", da Record, acredita que nenhuma pergunta é proibida. "O que torna um assunto constrangedor é o jeito com que ele é colocado, não o tema em si", diz. Para ele, o importante é que não seja abalada a "cordialidade profissional" e que a entrevista não vire um interrogatório. Para não correr esse risco, Lorena Calábria, 37, que comanda o "Bate-Papo Digital", do Multishow, prefere manter à distância de suas entrevistas perguntas delicadas ou constrangedoras. "No meu programa, nunca arrisquei perguntas polêmicas; sempre me coloco no lugar do entrevistado", afirma Lorena, que se classifica como uma entrevistadora "do bem". Mas ser um entrevistador "do bem" ou "do mal" não é sempre questão de escolha. Há situações em que escapole aquela perguntinha constrangedora, que pode pôr em risco a cordialidade entre entrevistado e entrevistador. Foi o que aconteceu recentemente com Casoy, quando entrevistava o ex-senador Antônio Carlos Magalhães. "Perguntei de forma direta se ele estava mentindo para mim", conta o jornalista, que diz ter ficado arrependido de colocar a questão de forma tão ofensiva. Indagado sobre a pergunta mais constrangedora que lembra ter feito a um entrevistado, João Gordo conta aos risos: "Perguntei à Hortência se quando ela posou para a Playboy foi recorde de retoques de computador da revista". Entretanto, João rejeita o título de entrevistador mais cruel da TV brasileira, que acredita pertencer a Jô Soares, da TV Globo. "Ele é muito mais cruel do que eu, não tem nem comparação. Ele tira tanto sarro com a cara de certos entrevistados que até irrita quem está assistindo; tem gente que ele convida só para poder sacanear à vontade."

A arte de ouvir O punk João Gordo, o veterano Boris Casoy e a comportada Lorena Calábria -quem diria- têm alguma coisa em comum. Nenhum dos três usa roteiro para entrevistar, guiando-se unicamente por seus ouvidos atentos. Segundo Casoy, toda entrevista deve funcionar como uma conversa amistosa: imprevisível e desorganizada. "Pode parecer caótico, mas é assim que a verdadeira informação aparece", diz. Para não deixar perguntas sem respostas, Casoy diz que o melhor é ser enfático: "Repito que a pergunta não foi respondida quantas vezes for necessário; o telespectador merece respeito". Há alguns meses, Lorena deixou de lado o ponto eletrônico (pequeno fone de ouvido através do qual o diretor se comunica com quem está em cena) que usava para poder escutar melhor o entrevistado. "Gosto de dar tempo ao convidado para pensar e completar seu raciocínio; os silêncios são importantes, podem dizer muito sobre a pessoa", opina. Ela também prefere não seguir um roteiro pré-produzido. "Não gosto de ficar presa; não adianta fazer a pergunta certa na hora errada", diz. João Gordo não só abre mão do roteiro como recusa-se a pesquisar sobre seus convidados antes das entrevistas. "O papo é ali na hora mesmo, não procuro saber nada sobre a vida desses caras, nem me interessa saber; não vou perder meu tempo lendo sobre um cara tipo Caetano Veloso, que foi outro dia lá no programa", diz. E o Jô Soares? Este não quis saber de dar entrevista.



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