São Paulo, domingo, 5 de julho de 1998

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A novela que não caiu do céu


Rede Globo cede ao lobby do Ceará e produz a próxima trama das sete no Estado, que admite investir, junto com empresários, pelo menos R$ 800 mil em infra-estrutura para gravações em Fortaleza


PAULO MOTA
da Agência Folha, em Fortaleza

Empresários de turismo e o governo do Ceará admitem estar investindo pelo menos R$ 800 mil em infra-estrutura (como diárias de hotéis e locações) para viabilizar a gravação, no Estado, de parte da próxima novela das sete da Rede Globo.
O valor equivale a cerca de 8% do orçamento total da produção, que deve estrear em agosto. A novela tem o nome provisório de "Miragem". "Terra do Sol", sua denominação anterior, foi descartada por ser muito parecida com o slogan do turismo cearense, "Terra da Luz".
A secretária de Turismo do Ceará, Anya Ribeiro, diz que, num acordo com a direção da Rede Globo, acertou-se que o governo intermediaria o apoio logístico à produção, em troca da veiculação de uma "imagem positiva" do turismo local.
"Uniu-se o útil ao agradável: a Globo precisava de novos cenários e a indústria do turismo cearense de uma forma inteligente de veicular suas imagens e produtos", declara.
Anya afirma que a intenção do governo cearense é aproveitar a divulgação da novela para atrair cerca de 1,3 milhão de turistas para o Estado em 1998.
"Se "Tropicaliente' (novela da Rede Globo exibida entre 94 e 95) serviu para colocar o Ceará em evidência no país e em várias partes do mundo, esperamos que essa novela sirva para consolidar o Ceará como principal destino turístico do país", afirma a secretária.
Indiretamente, a novela também deve ajudar o governador do Estado, Tasso Jereissati, que é candidato à reeleição.
O bom retorno obtido com "Tropicaliente" fez com que o setor turístico cearense se mobilizasse desde 1996 para convencer a Rede Globo a realizar outra novela no Estado. "Terra do Sol' não caiu do sol, tivemos que negociar muito para consegui-la", diz Anya.
O mediador da negociação era o diretor Paulo Ubiratan, que passava suas férias no Estado e que morreu em março.
A Agência Folha apurou que a atual novela das sete, "Corpo Dourado", só não foi filmada no Ceará porque Ubiratan e o setor turístico cearense consideraram o roteiro inapropriado para o local.
Anya disse que uma das condições do acordo foi que a nova novela não mostrasse "situações negativas" do Estado.
"Dou um exemplo: perguntaram-me se era conveniente colocar cenas de uso de agrotóxicos em plantações de caju. Eu disse que não, porque na realidade isso não existe."
Indagada se a novela poderia mostrar a realidade de seca no Estado, Anya é irônica. "Não precisa, porque vocês da imprensa já fazem isso."
Anya afirma que o processo de negociação com a Rede Globo passou até mesmo pela definição do horário de exibição.
"Argumentamos que preferiríamos o horário das sete, que é mais leve e gera uma novela mais alegre. Vetamos o das oito, porque tem muito drama e é mais pesado", diz Anya.
Os detalhes do acordo foram sacramentados num protocolo assinado em abril entre o governo cearense e a Globo.
No protocolo, o governo do Ceará se comprometeu a mobilizar os empresários de turismo do Estado para satisfazer às principais necessidades da produção.
Anya diz que o governo não investirá diretamente nenhum "tostão" de dinheiro público na novela, mas fará de tudo para facilitar o trabalho da Globo.
"Colocamos uma funcionária da Secretaria de Turismo exclusivamente para atender e tentar resolver os problemas da produção que estiverem ao nosso alcance."
A secção cearense da ABIH (Associação Brasileira da Indústria Hoteleira), por exemplo, formou um pool com 16 hotéis para fornecer gratuitamente 5.685 diárias de hospedagem para o período em que a equipe da novela, composta por 80 pessoas, permanecer no Estado.
A Globo está tendo descontos também em alimentação, transporte, energia e comunicações.
A cidade cenográfica na qual serão gravadas parte das cenas no Ceará (ruínas de uma construção religiosa) foi montada com a ajuda de empresários da cidade de Caucaia, onde ela está localizada.
Luís Henrique Rios, diretor da novela, diz que o acordo foi feito de forma que não houvesse nenhuma interferência no texto.
"O que houve foi um convênio para viabilizar as gravações no Ceará, que sairiam muito caras se não tivéssemos um apoio local", diz.



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