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O CRIME COMPENSA
Novelas como "Força de um Desejo", na Globo, e "Tiro e Queda", na Record, usam o velho recurso do "quem matou?" para conquistar audiência
Assassinos são os mais procurados da TV
Américo Vermelho/Folha Imagem
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Denise DelVechhio, a Bárbara de "Força de um Desejo", que matou o barão Sobral |
ERIKA SALLUM
DA REPORTAGEM LOCAL
F ORAM meses amargando média
de 23 pontos no Ibope (cada ponto
equivale a 80 mil telespectadores na
Grande São Paulo), mas, no último capítulo, exibido dia 28, a novela das seis
"Força de um Desejo" lavou a alma e deu
picos de 37 pontos. O motivo do salto na
audiência foi a revelação de um mistério
que há meses atormentava o público:
quem matou Sobral (Reginaldo Faria)?
Na semana passada, até "Terra Nostra"
instigava o telespectador com o mesmo
tipo de questão -quem matou o marido
de Hortência (Cláudia Raia)?
Amanhã, na Rede Record, a novela
"Tiro e Queda" finalmente desvenda a
identidade do assassino de sete personagens da trama, um psicopata que começou a "agir" logo no primeiro capítulo,
exibido em setembro, quando deu um tiro no empresário Raul (John Herbert).
Não importa a emissora ou o enredo, o
fato é que a tal pergunta "quem matou?"
volta a ser utilizada pela telenovela brasileira para conquistar o telespectador.
Mas por que crimes desse tipo prendem tanto a atenção de quem vê televisão? Para Renata Pallottini, do núcleo de
telenovelas da USP (Universidade de São
Paulo), esse gênero vive à base de "lançar
perguntas ao espectador, que, como diz
seu próprio nome, vive na expectativa de
que um dia elas sejam solucionadas". "A
novela não passa de um folhetim, que cativa o público com questões como "com
quem a mocinha vai ficar?", "de quem é o
filho da protagonista?" e, claro, "quem
matou fulano?", um tipo de mistério inspirado nos romances policiais."
Já segundo Yves Dumont, supervisor
de texto de "Tiro e Queda", "o ser humano gosta de ser desafiado": "O público
quer chegar ao final e dizer "não falei que
era ele o assassino?". Por isso crimes sem
autores conhecidos são armas tão poderosas numa novela e dão audiência, sim".
Autor de "Força de um Desejo" e um
dos escritores de novelas que mais se
destacou ao lançar mão desse recurso (é
ele o "pai" da clássica pergunta "quem
matou Odete Roitman?"), Gilberto Braga
afirma que o assassinato do barão Sobral
já estava previsto desde o início de "Força de um Desejo", e que isso não foi uma
estratégia para alavancar o Ibope.
"Não consigo acreditar num aumento
significativo de audiência só por causa
desse mistério", diz Braga, também responsável pela minissérie "Labirinto"
(98), cuja história era centrada na morte
do empresário Otacílio Fraga (Paulo José), e pela novela "Água Viva" (80), em
que Miguel Fragonard (Raul Cortez)
também era assassinado.
Para que a mídia não descobrisse quem
era o criminoso de "Força de um Desejo", Braga gravou a cena final somente na
véspera de o último capítulo ir ao ar. A
atriz Denise Del Vecchio, intérprete da
assassina Bárbara, foi comunicada do
desfecho pouco antes e ficou surpresa ao
saber que era a criminosa. "Mas depois
fui juntando as peças e vi que toda a alienação de Bárbara já era um prenúncio de
psicose", diz a atriz.
No caso de "Tiro e Queda", foram gravados três finais, apenas para manter o
sigilo da trama e despistar a imprensa.
"Mas, para quem acompanhou a novela,
apenas uma pessoa poderia ter cometido
tantos crimes", afirma Dumont.
Segundo Gilberto Braga, o alvoroço em
torno dos crimes nas novelas se deve
muito à imprensa, que começa a falar do
assunto muito antes de ele acontecer.
"Sabe quantos capítulos foram tomados
pela morte de Odete Roitman? Apenas
oito. Mas ficou parecendo que a novela
toda só tratava desse crime."
Para quem não lembra, a vilã Odete
Roitman (Beatriz Segall) foi morta por
Leila (Cássia Kiss), que, numa crise de
ciúmes do marido, cometeu o crime.
"Minha personagem era secundária e,
ao saber que Leila matou Odete, tive a
sensação de ter ganho uma corrida. Saí
nas capas de todos os jornais ao lado do
seringueiro Chico Mendes, morto na
mesma época", lembra Cássia.
Além dela, quais são os outros grandes
assassinos da TV brasileira? Mestre em
novelas pela USP, Mauro Alencar recorda que nesse departamento não dá para
esquecer de Felipe Cerqueira (Edwin
Luisi), que matou Salomão Hayala (Dionísio Azevedo) em "O Astro" (77/ 78).
Mais de 20 anos após a exibição da novela de Janete Clair, Luisi ainda se recorda da repercussão que a revelação do
mistério causou no país: "No dia em que
o episódio final foi ao ar, anunciaram
que Figueiredo seria o próximo presidente. Minha foto foi publicada acima
da dele em muitos jornais. Desde o início
da trama, eu sabia que era o assassino,
mas mantive o segredo até o fim, não
contei nem para minha mãe".
Outros crimes não podem faltar à lista:
"A primeira novela a usar esse tipo de recurso foi "Véu de Noiva" (69/70), de Janete Clair, na qual Luciano, interpretado
por Geraldo Del Rey, era morto. Mas
ninguém se lembra quem era o assassino", diz Alencar.
Há ainda "Assim na Terra Como no
Céu" (70/71), onde Carlos Vereza assassinava Renata Sorrah, "A Próxima Vítima" (95), com Cecil Thiré no papel do
"serial killer" Adalberto, e outras tantas.
Mas nenhuma talvez tenha usado o recurso de forma tão radical quanto "O
Rebu" (74/ 75), de Bráulio Pedroso. Toda a trama se passava em uma única noite, em uma festa onde uma pessoa vestida com um smoking era morta. A vítima
era Bete Mendes, em sua primeira novela na Globo. O assassino era Ziembinski.
"Além de "quem matou?", Bráulio instigava o espectador com "quem morreu?"
e "como aconteceu o crime?". E tudo
ocorria numa única noite", diz Bete.
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