São Paulo, #!L#Domingo, 06 de Fevereiro de 2000


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O CRIME COMPENSA
Novelas como "Força de um Desejo", na Globo, e "Tiro e Queda", na Record, usam o velho recurso do "quem matou?" para conquistar audiência
Assassinos são os mais procurados da TV

Américo Vermelho/Folha Imagem
Denise DelVechhio, a Bárbara de "Força de um Desejo", que matou o barão Sobral


ERIKA SALLUM
DA REPORTAGEM LOCAL

F ORAM meses amargando média de 23 pontos no Ibope (cada ponto equivale a 80 mil telespectadores na Grande São Paulo), mas, no último capítulo, exibido dia 28, a novela das seis "Força de um Desejo" lavou a alma e deu picos de 37 pontos. O motivo do salto na audiência foi a revelação de um mistério que há meses atormentava o público: quem matou Sobral (Reginaldo Faria)?
Na semana passada, até "Terra Nostra" instigava o telespectador com o mesmo tipo de questão -quem matou o marido de Hortência (Cláudia Raia)?
Amanhã, na Rede Record, a novela "Tiro e Queda" finalmente desvenda a identidade do assassino de sete personagens da trama, um psicopata que começou a "agir" logo no primeiro capítulo, exibido em setembro, quando deu um tiro no empresário Raul (John Herbert).
Não importa a emissora ou o enredo, o fato é que a tal pergunta "quem matou?" volta a ser utilizada pela telenovela brasileira para conquistar o telespectador.
Mas por que crimes desse tipo prendem tanto a atenção de quem vê televisão? Para Renata Pallottini, do núcleo de telenovelas da USP (Universidade de São Paulo), esse gênero vive à base de "lançar perguntas ao espectador, que, como diz seu próprio nome, vive na expectativa de que um dia elas sejam solucionadas". "A novela não passa de um folhetim, que cativa o público com questões como "com quem a mocinha vai ficar?", "de quem é o filho da protagonista?" e, claro, "quem matou fulano?", um tipo de mistério inspirado nos romances policiais."
Já segundo Yves Dumont, supervisor de texto de "Tiro e Queda", "o ser humano gosta de ser desafiado": "O público quer chegar ao final e dizer "não falei que era ele o assassino?". Por isso crimes sem autores conhecidos são armas tão poderosas numa novela e dão audiência, sim".
Autor de "Força de um Desejo" e um dos escritores de novelas que mais se destacou ao lançar mão desse recurso (é ele o "pai" da clássica pergunta "quem matou Odete Roitman?"), Gilberto Braga afirma que o assassinato do barão Sobral já estava previsto desde o início de "Força de um Desejo", e que isso não foi uma estratégia para alavancar o Ibope.
"Não consigo acreditar num aumento significativo de audiência só por causa desse mistério", diz Braga, também responsável pela minissérie "Labirinto" (98), cuja história era centrada na morte do empresário Otacílio Fraga (Paulo José), e pela novela "Água Viva" (80), em que Miguel Fragonard (Raul Cortez) também era assassinado.
Para que a mídia não descobrisse quem era o criminoso de "Força de um Desejo", Braga gravou a cena final somente na véspera de o último capítulo ir ao ar. A atriz Denise Del Vecchio, intérprete da assassina Bárbara, foi comunicada do desfecho pouco antes e ficou surpresa ao saber que era a criminosa. "Mas depois fui juntando as peças e vi que toda a alienação de Bárbara já era um prenúncio de psicose", diz a atriz.
No caso de "Tiro e Queda", foram gravados três finais, apenas para manter o sigilo da trama e despistar a imprensa. "Mas, para quem acompanhou a novela, apenas uma pessoa poderia ter cometido tantos crimes", afirma Dumont.
Segundo Gilberto Braga, o alvoroço em torno dos crimes nas novelas se deve muito à imprensa, que começa a falar do assunto muito antes de ele acontecer. "Sabe quantos capítulos foram tomados pela morte de Odete Roitman? Apenas oito. Mas ficou parecendo que a novela toda só tratava desse crime."
Para quem não lembra, a vilã Odete Roitman (Beatriz Segall) foi morta por Leila (Cássia Kiss), que, numa crise de ciúmes do marido, cometeu o crime. "Minha personagem era secundária e, ao saber que Leila matou Odete, tive a sensação de ter ganho uma corrida. Saí nas capas de todos os jornais ao lado do seringueiro Chico Mendes, morto na mesma época", lembra Cássia.
Além dela, quais são os outros grandes assassinos da TV brasileira? Mestre em novelas pela USP, Mauro Alencar recorda que nesse departamento não dá para esquecer de Felipe Cerqueira (Edwin Luisi), que matou Salomão Hayala (Dionísio Azevedo) em "O Astro" (77/ 78).
Mais de 20 anos após a exibição da novela de Janete Clair, Luisi ainda se recorda da repercussão que a revelação do mistério causou no país: "No dia em que o episódio final foi ao ar, anunciaram que Figueiredo seria o próximo presidente. Minha foto foi publicada acima da dele em muitos jornais. Desde o início da trama, eu sabia que era o assassino, mas mantive o segredo até o fim, não contei nem para minha mãe".
Outros crimes não podem faltar à lista: "A primeira novela a usar esse tipo de recurso foi "Véu de Noiva" (69/70), de Janete Clair, na qual Luciano, interpretado por Geraldo Del Rey, era morto. Mas ninguém se lembra quem era o assassino", diz Alencar.
Há ainda "Assim na Terra Como no Céu" (70/71), onde Carlos Vereza assassinava Renata Sorrah, "A Próxima Vítima" (95), com Cecil Thiré no papel do "serial killer" Adalberto, e outras tantas.
Mas nenhuma talvez tenha usado o recurso de forma tão radical quanto "O Rebu" (74/ 75), de Bráulio Pedroso. Toda a trama se passava em uma única noite, em uma festa onde uma pessoa vestida com um smoking era morta. A vítima era Bete Mendes, em sua primeira novela na Globo. O assassino era Ziembinski.
"Além de "quem matou?", Bráulio instigava o espectador com "quem morreu?" e "como aconteceu o crime?". E tudo ocorria numa única noite", diz Bete.



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