São Paulo, Domingo, 06 de Junho de 1999
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Autores criam obstáculos e intrigas rocambolescas para encompridar os relacionamentos entre os personagens de suas novelas e manter o interesse da audiência
Bem me quer, mal me quer

Divulgação
Fábio Assunção e Malu Mader, o casal central da novela 'Força de um Desejo'


ALINE SORDILI
da Reportagem Local

Léo gosta de Márcia. Ela gosta de Eliseu, mas não pode ficar com ele porque sua mãe, Eleonor, também gosta do pintor -o que o impede de ficar com sua amada. Além de Eliseu, a bela Márcia também desperta o interesse de seu cunhado Figueira, que tem um casamento de fachada com Regina, que é amante de seu motorista, Adelmo.
Às vésperas do Dia dos Namorados, os romances das telenovelas estão longe de dar certo. Na verdade, o final feliz depende apenas do número de capítulos que precisam ser cumpridos. Autores de telenovelas brasileiras afirmaram à Folha que os romances intricados são o seu artifício para segurar mais de 200 capítulos no ar.
Aguinaldo Silva, autor de "Suave Veneno", diz usar os altos e baixos amorosos de seus personagens para segurar a trama. "Fui avisado no meio da novela que ela deveria crescer de 168 para 230 capítulos. Não gosto de criar personagens novos só porque a novela cresceu. Prefiro desenvolver a trama entre os que já existem."
O autor se define como conservador. "Não há troca de casais. Quando há traição é porque um deixou de amar o outro", afirma Aguinaldo Silva. Isso poderá ser visto entre o par romântico Márcia (Luana Piovani) e Eliseu (Rodrigo Santoro): ele se envolverá com Gylvânia (Samara Felippo), mesmo amando Márcia. "Isso é possível na cabeça machista do telespectador médio. É a máxima: "Ele pode porque é homem"."
Para o psiquiatra e autor do livro "Ciúme - O Medo da Perda", Eduardo Ferreira-Santos, 46, isso é característico das telenovelas. "A novela sempre mostra a repetição de uma verdade que está escondida. Assim, o telespectador satisfaz seus desejos por meio da novela."
A opinião de Ferreira-Santos é corroborada pela psicanalista Miriam Chnaiderman: "A TV é uma expressão de como as relações amorosas estão acontecendo. Se aparece na TV, é porque o fato está latente na sociedade".
Na Globo, não é apenas em "Suave Veneno" que os amores não dão certo. A nova novela das seis, "Força de um Desejo", traz um triângulo amoroso que envolve pai e filho. Alcides Nogueira, parceiro de Gilberto Braga na autoria da trama, acredita que seus romances são sólidos e estáveis. "Mas, para contar uma história por oito meses, é preciso criar obstáculos. É um artifício para segurar a trama."
Segundo ele, isso cria um envolvimento emocional do telespectador com a trama. "A intriga precisa sempre estar presente."
Essa ligação e esses amores impossíveis são naturais para Maria Lourdes Motter, especialista em linguagem verbal dos meios de comunicação: "Pessoas estão sempre em busca de um parceiro".
Em "Andando nas Nuvens", no horário das sete, os jornalistas Chico (Marcos Palmeira) e Júlia (Débora Bloch) vivem às turras, além da existência do triângulo amoroso juvenil que coloca em jogo a amizade entre Celi (Mariana Ximenes) e Joana (Fernanda Souza) por causa de Thiago (Caio Blat). Mas por que tudo é tão difícil? "É preciso ter história para preencher tantos capítulos", afirma Vinícius Viana, co-autor da trama.
Em "Louca Paixão", trama da Rede Record no horário das oito, o amor difícil também é o mote. Nesse remake de "2-5499, Ocupado", o "amor beira o impossível" -uma presidiária que se apaixona por um empresário-, nas palavras do próprio autor, Yves Dumont. "Essa impossibilidade de eles se verem é o que atrai e amarra o telespectador. Ele quer que dê certo e assiste até isso acontecer."
Mas o excesso de relacionamentos complicados pode representar um problema para os autores: a perda de audiência. Para a escritora e professora de dramaturgia da Universidade de São Paulo, Renata Pallotini, 68, "a falta de casos amorosos consistentes, que se perdem no meio do enredo para voltar só no final, é responsável em boa parte pelo insucesso de algumas novelas".


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