São Paulo, Domingo, 07 de Fevereiro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TV NO MUNDO

Programa celebra a arte negra

ESTHER HAMBURGER
em Austin

Duas semanas após a crítica feita por Spike Lee ao novo seriado de Eddie Murphy, "The PJ's", a rede pública dos EUA, PBS, exibiu o documentário "I'll Make me a World", sobre os cem anos de arte afro-americana.
Na introdução do programa, no seu usual tom provocativo, o mesmo Spike Lee afirma que sem a influência negra a cultura americana seria inóspita. E as biografias ilustradas dos inúmeros artistas negros sugerem que o cineasta tem razão.
Na mesma linha de promoção da auto-estima negra, o cineasta Van Peebles arrisca uma constatação nada vitimizadora. Para o jovem artista negro, às vezes é possível tirar vantagem do racismo, pois pode ser mais fácil surpreender quando ninguém espera que você seja articulado.
As seis horas de programa, exibidas em três episódios, documentam o legado de artistas famosos, criadores do jazz e do blues, atores, bailarinas e escritores.
O documentário chama a atenção para a contribuição dos soldados negros para a vitória americana nas duas guerras mundiais, apesar da segregação formal a que os negros ainda eram submetidos. A esperança dos patriotas negros que retornam à casa depois de contribuir para espalhar influência americana no mundo é repetidamente frustrada, como o racismo do filme "O Nascimento de uma Nação" ilustra bem.
Como se sabe, mas é sempre chocante lembrar, apesar de iguais perante a lei, até muito recentemente negros eram proibidos de ficar nos mesmos hotéis, representar nos mesmos palcos, frequentar as mesmas escolas que os brancos. Esse apartheid levou, por exemplo, a carreira da bailarina Raven Willkinson, mulata de pele clara, a um fim prematuro, nos anos 50, após anos de performance em uma companhia branca que tolerou e ocultou a identidade racial da bailarina.
A série é povoada de histórias, nomes e lugares. Nova Orleans, Nova York, Filadélfia e Chicago se destacam do sul, tratado genericamente como o reduto da violência mais acirrada.
Betsy Smith, James Baldwin, Dizzy Gillespsy, Johnny Parker, Duke Ellington, Koko Taylor, Wynton Marsalis, Bill Jones, Cornell West, entre outros, aparecem para conferir qualidade e emoção inquestionável ao cânon afro-americano.
O tom geral politicamente correto do programa não impede que algumas tensões no interior dessa tradição apareçam. A questão maior, tratada com muita discrição, é sobre a possibilidade da arte engajada. Mas levar esse questionamento até as últimas consequências implicaria talvez construir uma representação do cânon americano, que incorporasse o conflito racial nos Estados Unidos.


E-mail: ehamb@uol.com.br



Texto Anterior: Próximos capítulos
Próximo Texto: Parabólicas
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.