São Paulo, domingo, 07 de julho de 2002

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Quanto vale o show?

Roberto Setton/Folha Imagem



A publicidade invadiu programas e novelas, para alegria das emissoras e apreensão dos que acham que a prática extrapolou


RODRIGO RAINHO
FREE LANCE PARA A FOLHA

O MERCHANDISING, publicidade exibida dentro dos programas de televisão, é cada vez mais frequente no Brasil. A prática nasceu na década de 50, mas hoje proliferam os estandes montados no palco de programas de auditório e as cenas de novela escritas apenas para divulgar algum produto. Isso sem falar nos canais que alugam faixas inteiras de sua programação para produções destinadas à venda. Segundo estimativa de Daniel Barbará, diretor comercial da agência de publicidade DPZ, o merchandising é responsável, em média, por 7% a 8% do faturamento anual das emissoras, gerando uma receita em torno de R$ 500 milhões. "O merchandising é vantagem para o anunciante porque está inserido no contexto do programa, atrai mais a atenção do público e não sofre a concorrência de outros anúncios", diz Barbará. Talvez por ser tão eficiente, a prática, para muitos, é superexplorada. "Muitas vezes, o merchandising é utilizado em excesso", afirma Saint'Clair Vasconcelos, presidente da Contexto Propaganda e do Sindicato das Agências de Propaganda do Estado de São Paulo. Para Paulo Roberto Cecarelli, psicanalista e membro-fundador da ONG TVer, a questão é mais complexa. "É uma influência típica do capitalismo. Como ser cidadão se tudo é dirigido para uma forma de consumo à qual a maioria da população não tem acesso? As pessoas devem estar atentas aos valores de felicidade construídos pela publicidade", diz.

Novelas
"Se o anunciante quer fazer o conceito do produto e reforçar hábito de consumo, não há nada melhor que a telenovela", afirma Marcelo Duarte, diretor da Central Globo de Desenvolvimento Comercial. Ele cita as inserções das massas Adria, da rede de farmácias Droga Raia e da Varig na novela "Esperança", que se passa na década de 30. "Os clientes querem passar a idéia da tradição de seus produtos, que já existiam naquela época", afirma. Os exportadores brasileiros de café serão os próximos a promoverem seu negócio na trama das 20h. Hoje, na Globo, já existem equipes da área comercial que acompanham os autores de novela durante todo o desenvolvimento do roteiro, para identificar situações propícias ao merchandising. A inserção de um produto no meio da trama custa cerca de três vezes o valor de uma propaganda durante os intervalos. "O público se chateia quando considera que a ação não precisava ser tão explícita por já ter sido percebida. Ou, ao contrário, quando a ação é muito escondida, e ele acredita que está sendo enganado para consumir aquele produto. Temos que trabalhar na linha entre estes dois pontos", diz Duarte. A iniciativa pode vir da emissora, das agências de publicidade, ou do próprio autor da novela, mas a palavra final é sempre deste último. "Somos consultados para ver se concordamos. E, se for interferir no andamento da obra, podemos alterar ou até vetar", diz Walter Negrão, um dos primeiros autores a trabalhar com merchandising na TV brasileira. Porém a maioria das idéias acaba emplacando, já que tanto o autor como os atores e a produção da novela recebem uma porcentagem no faturamento. Mas Negrão faz autocrítica: "Pode ser que ela saia canhestra por falta de tempo de uma melhor elaboração. Afinal, não somos vendedores, somos criadores".

Normas
No SBT, todos os programas de entretenimento abrem brecha para merchandising. "Temos procurado trabalhar com agências e anunciantes para que estas ações não sejam agressivas e inadequadas", afirma José Francisco Queiroz, diretor comercial do canal. A recordista em exibição de ações de merchandising é a Rede Bandeirantes, segundo relatório realizado pelo departamento comercial da emissora. O canal dispõe de um código de ética interno que determina o limite para as ações de merchandising exibidas por hora. "Evitamos ações repetitivas", diz Daruiz Paranhos, diretor-executivo da Band. Alessio Castelli Júnior, gerente de merchandising da Record, afirma que a emissora adota normas para produtos controlados, baseados na crença popular ou que não cumpram a função prometida. Mas a distribuição de brindes que o apresentador Milton Neves faz aos convidados do "Terceiro Tempo" é liberada.

Infantis
Apesar do controle das emissoras, o merchandising em programas infantis é criticado por alguns, como a psicanalista Ana Cristina Olmos. Ela os considera uma agressão à criança, podendo comprometer a auto-estima.
Para ela, essa forma de anúncio provoca a desqualificação dos recursos próprios do dia-a-dia da criança. "O merchandising provoca um estímulo inadequado às crianças. Anúncios são veiculados a idéias e atitudes que prometem que a vida será maravilhosa. Está se vendendo uma postura de onipotência", afirma.


COLABOROU MARCELO BORTOLOTI, FREE LANCE PARA A FOLHA



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