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CRÍTICA
Quem quer dinheeeeiro?
ARMANDO ANTENORE
TÍMIDAS , quase assustadas, sete jogadoras da
seleção feminina de futebol lamentavam, na última segunda-feira, as mazelas cotidianas: falta de
patrocínio, remuneração irrisória, desinteresse
da mídia. Espalhavam-se, as sete, pelo sofá aconchegante
de Hebe.
A apresentadora, claro, as acarinhava com os adjetivos
de sempre: lindas de viver, gostosas, umas gracinhas as
nossas heroínas, que retornaram de Sydney sob as glórias
de "um honroso quarto lugar".
Seguia a conversa por tais descaminhos quando Hebe arriscou: "Vocês ficariam ofendidas se..." E ofereceu-lhes um
agrado. "Pouca coisa": R$ 2.000 para cada uma, o equivalente à média salarial
das atletas. Um bônus pelo que conquistaram na Olimpíada. "Vocês não levariam a mal? É feio?"
Não, de jeito nenhum. Se quer dar, pode dar. As meninas, surpresas, aceitaram
de imediato o presente. Depois, elogiaram "o exemplo" de Hebe.
Filantropia alinhavada, a loira convocou os comerciais (não iria assinar o cheque em rede nacional). Antes, tomou o
cuidado de esclarecer: ofertou o dinheiro
"ao vivo", e não nos bastidores, porque
gostaria que "o governo, os poderosos"
imitassem a atitude. Desejou servir de
exemplo, como bem compreenderam as
agraciadas.
Exemplo, aliás, muito à moda do patrão, o Silvio Santos sorridente que, todo domingo, distribui dois, três, quatro salários às moças do auditório. Uma
gracinha, o homem do baú -o pai-patrão do Brasil.
A mão aberta de Hebe fez lembrar, ainda, a mão pródiga de Paulo Maluf, amigo de longa data. Ele governava a
capital paulista em 1970, quando os garotos do escrete
-Pelé, Rivelino, Jairzinho, Tostão- abocanharam a Jules Rimet. Gênios, mereceram logo uma prenda. Pouca
coisa: um fusquinha para cada jogador. Regalo do "doutor Paulo", à custa dos cofres públicos.
Na terça-feira, pelo celular, Hebe garantiu que não premeditara o gesto da noite anterior. "Juro por Deus." Viu
as meninas ali, "modestas, tristinhas", e se emocionou.
Comovida, sacou da bolsa os R$ 14 mil. "Não é grande
ajuda, mas é um chamamento."
É também uma possível explicação para o fato de Hebe
persistir há cinco décadas no ar -mais do que o próprio
patrão, um veterano da turma de 1956. A inegável simpatia, as roupas espalhafatosas, as entrevistas abiloladas, nada explica melhor a longevidade da apresentadora quanto a seguinte constatação: desde cedo, Hebe percebeu
que, no vídeo, o importante é "o chamamento". "O exemplo". Aquilo que parece ser.
Doar R$ 2.000 para cada atleta não significa mesmo
"grande ajuda". A seleção tem 22 jogadoras. Hebe só presenteou 7. Ainda que repassasse quantia idêntica às outras 15, a realidade em que o time está mergulhado continuaria igual. Como praticamente igual permaneceram as
finanças da "madrinha". R$ 14 mil representam, de fato,
pouca coisa para quem fatura cerca de R$ 1 milhão por
mês, conforme estimativas do mercado.
Na essência, tudo prossegue imutável. A impressão, no
entanto, é de que algo mudou ou poderá mudar. Eis a chave da televisão:
criar ilusões de ótica com "os chamamentos", com aquilo que parece ser.
Em setembro de 1950, o diretor Cassiano Gabus Mendes escalou Hebe, recém-saída da adolescência, para cantar o "Hino da TV" na inauguração da
Tupi, primeira emissora do país. A jovem acabou não comparecendo. Alegou um problema de garganta. O episódio, prosaico, já dava mostras de
que a novata entendera rapidamente a
natureza do meio em que debutava.
Na verdade, uma paixão causou o
sumiço de Hebe. Ela preferiu se encontrar com um famoso jornalista
-que, apesar de casado, cultivou o
romance clandestino por oito anos.
Como a televisão não suportaria a
crueza daquela história tórrida (e
real), Hebe inventou a dor de garganta, versão que manteve durante quatro décadas. Foi assim
que ingressou no mundo das aparências.
"Eu tento, quero acreditar que o Brasil vai melhorar,
mas está difícil", confessou um dia depois das eleições
municipais, tão logo abriu o programa em que doou dinheiro à seleção. Encarava a câmera com raiva. Pôs-se,
então, a criticar o Supremo Tribunal Federal, que concedeu prisão em regime semi-aberto "à ladra da Jorgina de
Freitas", condenada por fraude no INSS. "Fiquei pasma,
pasma", repetia a apresentadora.
Chegou mais perto da câmera e bramiu: "Senhor presidente Fernando Henrique Cardoso, algo precisa acontecer para que Lalaus e Jorginas, sem contar Cacciolas e que
tais, deixem de nos fazer de bobos".
Era, sem dúvida, um chamamento. Hebe parecia verdadeiramente indignada com "a bandalheira" que varre o
país. A mesma Hebe que tantos elogios já reservou à trupe do "doutor Paulo". "Não percebo a relação", afirmou
pelo celular. "Uma coisa não diz respeito à outra."
E-mail: aluis@folhasp.com.br
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