São Paulo, domingo, 8 de novembro de 1998

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TV NO MUNDO

O que une 'Truman Show' a Ratinho

ESTHER HAMBURGER
especial para a Folha

Há casos em que se inventa realidade para mostrar na televisão. Há outros em que a ficção mais fascinante pode vir a ser a história de uma novela que vampiriza o real. Nas duas situações a busca continuada de relações verdadeiras "força a barra".
Quase quatro meses depois da estréia nos EUA, o filme "The Truman Show" chega ao Brasil no momento em que o país mais televisivo do planeta descobre que a realidade como ela aparece no Ratinho não passa de ficção barata encomendada pela produção do programa.
Vale a pena retomar o comentário sobre "The Truman Show" registrado nesta coluna no final de junho. O filme americano do diretor australiano Peter Weir, estrelado por Jim Carrey é uma hilária e trágica ficção sobre o verdadeiro e o falso.
"The Truman Show" conta a história de um cidadão que, sem o saber, é prisioneiro do olhar indiscreto de câmeras que o espionam durante as 24 horas do dia, para que milhões de espectadores possam assistir a um cotidiano autêntico em tempo real.
Truman/Carrey deseja bom-dia, boa-tarde e boa-noite com um sorriso pasteurizado, ingênuo e formal, mas sincero. E o resultado é muito parecido com o estereótipo do desempenho cotidiano de um americano comum.
A overdose de boas intenções de Truman ironiza e questiona a autenticidade desse sorriso convencional que pasteuriza o convívio social diário nos Estados Unidos.
Mesmo que não o saiba, o personagem representa o tempo todo porque se relaciona com gente que se posiciona de acordo com roteiros previamente definidos e estão cientes da presença dos espectadores. Aqui o alienado é o protagonista do show.
Então o que sobra de verdade no cotidiano do único ser que não sabe do segredo? "Truman Show" pode ser interpretado como mais uma denúncia de um possível futuro pasteurizado do tipo "Admirável Mundo Novo". Ou como uma realização literal e contemporânea do panóptico de Foucault.
Mas, no filme, os fãs de Truman torcem para que ele se liberte da tirania do diretor e do olhar indiscreto deles mesmos. Acabam grudados na telinha na expectativa de um desfecho que reinstaure a possibilidade de uma vida autêntica para o herói ingênuo.
No programa do Ratinho, como no de Jerry Springer, imagens de conflitos pessoais apelativos, sensacionalistas e mundo cão aparecem como reais. A estética ficcional do mediano, branco, limpo e iluminado da ilha de Truman não tem vez. Mas a denúncia da mentira ameaça a credibilidade dos apresentadores e a continuidade dos programas cujo apelo maior está justamente na realidade.
"The Truman Show" especula sobre a representação televisiva. O filme é simples, engraçado e inteligente. E renova o desejo de relações verdadeiras.


E-mail: ehamb@uol.com.br



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