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CRÍTICA
Xuxa, Globo, Brasil S.A.
FERNANDO DE BARROS E SILVA
Editor-adjunto de Opinião
Marluce Dias da Silva, a
superintendente-executiva da Globo, a mulher
que apita e manda hoje
no império televisivo dos
Marinho, gostou demais
da cobertura dada pela
emissora ao nascimento
de Sasha. Tanto é assim
que na última terça-feira
fez chegar aos profissionais da CGJ (Central Globo de Jornalismo) um
texto de sua autoria, destinado apenas para consumo interno.
A carta, cujo teor chegou ao conhecimento de
uma colega da Folha, a
repórter Anna Lee, é uma
espécie de balanço do
jornalismo global no último semestre. O conteúdo seria o seguinte: "Eu
já me preparava para escrever uma mensagem
compartilhando com vocês minha alegria por tão
bons resultados (referia-se à audiência obtida
durante a Copa) quando
recebi uma carta parabenizando-os por mais
uma cobertura realizada.
Foi uma carta da Xuxa,
agradecendo pelo respeito e carinho com que fizemos a cobertura do
nascimento da Sasha.
Num trecho da carta que
ela pediu para retransmitir a todos os funcionários da CGJ, ela diz: "A
TV Globo me escolheu
para fazer parte de seu
elenco, mas eu também
fiz minha escolha permanecendo nessa emissora
que, apesar de seu tamanho, apesar de seus compromissos, usou seus recursos técnicos e de profissionais para fazer um
trabalho tão carinhoso.
Eu tenho muito orgulho
de pertencer a esta casa'.
Meus amigos (continuaria Marluce), a carta me
fez perceber que temos
mais motivos para celebração. Além de tudo o
que citei acima, vocês
têm feito mais. Têm conseguido fazer jornalismo
sério e competente sem
perder a sensibilidade e a
dimensão humana. Vocês têm feito com que todos nós tenhamos cada
vez mais orgulho de pertencer a essa casa. Parabéns e obrigado. Marluce."
Volto ao assunto Xuxa
porque essa carta parece
muito representativa da
orientação que a cúpula
da Globo resolveu dar a
seu jornalismo, particularmente ao "Jornal Nacional". A carta seria até
muito simpática se não
tivéssemos conhecimento da demência que foi a
cobertura do nascimento
de Sasha. Há, aliás, uma
completa sintonia entre a
atitude de Xuxa, que empresariou a sua gravidez
e a sua filha o máximo
que pôde, e esse telejornalismo que hierarquiza
o noticiário seguindo critérios estritamente empresariais.
Atrofia os assuntos de
relevância pública, espetacularização da vida íntima, ênfase no showbiz e
sentimentalismo exacerbado (isso que Marluce
chama de dimensão humana) são recursos estratégicos legítimos e desejáveis quando a notícia
se torna exclusivamente
refém das oscilações da
audiência. Isso dá, de fato, "ótimos resultados"
A era Marluce parece
ter isso de sinistro: é, como Xuxa, profundamente infantilizante, comprometida com o êxito
empresarial e dependente de padrões de comportamento ultraconsumistas. Perto da assepsia executiva imposta hoje à
emissora por Marluce,
Boni, o seu antecessor e
homem-forte da Globo
durante décadas, parece
quase um poeta, um empresário-aventureiro, alguém que ainda tinha veleidades intelectuais e
compromissos de outra
ordem que não os da
qualidade total aferida
diariamente pelo Ibope.
O leitor deve descontar
a ironia da comparação.
A verdade é que hoje os
horizontes e as aspirações do país parecem reduzidos pelo discurso
oficial a uma equação do
tipo: "primeiro privatiza, depois consome".
Este é um tempo em que
a política foi confinada a
uma questão de gerenciamento empresarial,
em que a religião se mercantiliza e se transforma
em mero veículo de ascensão social (vide o sucesso do bispo Macedo),
em que a grande questão
da TV se chama "guerra
de audiência", em que o
maior desafio do cinema
nacional é a conquista da
estatueta do Oscar e em
que os fatos mais relevantes da cultura são a
bunda de Carla Perez, o
êxito comercial do pagode e a explosão da música
neossertaneja.
Não me lembro de outra época no Brasil moderno, isto é, depois de
30, quando começamos a
sair da roça para viver em
cidades, tão hostil à civilização e tão deslumbrada com a estupidez do
discurso empresarial.
Parafraseando o título
muito sugestivo de uma
nova revista que é a cara
dos novos tempos, entramos na era do Brasil S.A.
Nessa terra em que a
imaginação coletiva também foi privatizada, Xuxa é sócia majoritária, a
rainha do Império do
Brasil.
Recebi até quarta-feira,
dia do fechamento desta
coluna, 81 e-mails a respeito do artigo "Pequenas empresas, grandes
negócios", do qual este é
uma espécie de desdobramento.
Desculpo-me por não
ter tido tempo de responder a todos e aproveito
para agradecer a atenção
de cada um dos leitores
pelos comentários.
E-mail: fbsi@uol.com.br
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