São Paulo, domingo, 10 de novembro de 2002

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O $ufoco em cena

Divulgação - Luciana Cavalcanti/Folha Imagem
No alto, participante atira dardos no programa de Luciano Huck; ao lado Datena, no cenário do "No Vermelho"; à esq., João Kléber, que fará competição entre desempregados



Programas que promovem competições entre pessoas em dificuldades financeiras proliferam na TV


RODRIGO RAINHO
DA REDAÇÃO

O ASSISTENCIALISMO na TV vai se intensificar a partir do próximo domingo, com a estréia de "No Vermelho", na TV Record, e de "Emprego na TV", na segunda (dia 18), dentro do "Canal Aberto", da Rede TV!. Essas competições -assim como o quadro "Agora ou Nunca", do "Caldeirão do Huck", (Globo, sábados, às 14h30)- usam a penúria do competidor como combustível. "A TV precisa da audiência e da publicidade. Para isso, explora e recicla a miséria, dando em troca dinheiro ou emprego, e a chance de ser feliz", diz o psicanalista Paulo Roberto Cecarelli. "A pobreza "alimenta" os programas." "No Vermelho", que será apresentado pelo jornalista José Luis Datena, leva ao palco quatro pessoas endividadas. Os casos mais "tocantes e interessantes" têm prioridade, segundo a Sony Pictures e a TV Record, co-produtoras da atração. Os participantes disputam provas de criatividade e habilidade. Reportagens comentadas por Datena contam os dramas dos endividados. Em cada bloco, um deles é eliminado, mas ganha a quantia de dinheiro que acumular no jogo. Na última fase, o "sobrevivente" tenta decifrar enigmas. Se vencer, sua dívida -nunca muito alta- é paga pela produção. "Não vamos explorar a desgraça alheia, como esse negócio de dar cadeira de rodas", diz Datena. "O nosso programa é o único que assume o fato de que está pagando as contas de alguém."

Desemprego
O "Emprego na TV", que será comandado por João Kléber na Rede TV!, promoverá uma disputa entre dois desempregados por um posto de trabalho, vaga oferecida por empresas parceiras do "Canal Aberto", programa repleto de reportagens sensacionalistas, testes de DNA e "barracos" incentivados pelo apresentador. O "game" da Rede TV! terá duas partes: os candidatos respondem a perguntas sobre conhecimentos gerais e, no final, passam por testes práticos, referentes ao trabalho que postulam. Quem conquistar maior número de pontos nos testes e o favoritismo do público, que votará por telefone, leva o emprego. Um consultor de recursos humanos será o responsável pela "aprovação". "O "Emprego na TV" é um jogo, o derrotado não fica com a imagem prejudicada. Não há pior exposição do que o cara pedir emprego de porta em porta", diz Kléber. "A crítica só dá cacete em mim. O novo quadro tem o cunho de mudar a minha imagem", afirma, dizendo que é melhor dar emprego do que pagar dívidas. "Não deixa de ser uma exposição de um problema social na TV, mas pior que isso é pagar a dívida de uma pessoa, ela se acostuma e não vai procurar emprego", diz ele. Laurindo Leal Filho, sociólogo e membro da ONG TVer, que analisa a programação televisiva, discorda. "Os novos "games" desrespeitam a dignidade humana, na medida que expõem a fragilidade das pessoas. É uma violência." Para Leal Filho, o perdedor sai do programa em situação pior: "O derrotado paga o preço da perda da dignidade. Ele mostrou à sociedade que não tem condições de realizar seus objetivos".

Sonhos
Na TV Globo, o "Caldeirão do Huck" distribui dinheiro a pessoas carentes no quadro "Agora ou Nunca". Os selecionados enfrentam provas criadas pela produção, com a finalidade de ganhar a premiação em dinheiro e realizar um sonho comum.
"Preciso de R$ 10 mil para pagar meu imóvel [e casar". Tenho fé e vontade", disse Ulisses Leite, participante do "Agora ou Nunca" do sábado retrasado.
Depois de ver uma reportagem sobre seu drama, feita com todos os participantes do quadro, ele arremessou dardos no alvo e levou o desejado dinheiro para casa.
"Me envolvo com as histórias. Leio as cartas e torço para eles, porque precisam muito do dinheiro", diz o apresentador. "Aquele prêmio não resolve a vida dele, mas ameniza a situação."
Huck afirma que quem perde pode receber uma ajuda fora do ar. "Já aconteceu algumas vezes, mas não levamos isso ao ar. Não quero explorar a tristeza."



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