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CRÍTICA
A pegadinha do Gregori
FERNANDO DE BARROS E SILVA
Crítico de TV
Não parece séria essa cruzada
do governo federal pela qualidade
na TV brasileira. A rigor não se
pode nem falar em cruzada, já que
as autoridades agem de maneira
por assim dizer espasmódica. Menos que isso, as autoridades têm
vindo a reboque, apenas reagindo
e quase sempre aos estímulos errados. Têm contribuído com isso
tanto para que a discussão do
problema se perca num lengalenga fastidioso e inócuo, como para
que sirva de alimento à tara dos
moralistas de plantão, sempre à
cata de algum pretexto para grasnar contra o "baixo nível" da programação.
O secretário nacional dos Direitos Humanos, José Gregori, tem
ocupado com certa frequência as
páginas dos jornais desde que foi
incumbido, ou se auto-incumbiu,
da tarefa de cobrar das emissoras
que elaborem o seu código de ética, cada uma o seu e segundo os
seus próprios critérios, o que já de
saída transforma a iniciativa em
matéria-prima para o vasto anedotário em torno deste governo.
Não se deve duvidar da boa-fé
do secretário (e o governo tucano,
ao contrário do que possa parecer, tem gente bem-intencionada), mas é flagrante o pouco caso
das emissoras diante de uma iniciativa que está fadada a entrar
para o acervo das promessas não
realizadas. Imagine o leitor como
não devem rir do governo na intimidade os responsáveis por levar
ao ar em cada emissora o que o secretário Gregori chamou há pouco tempo de "peixe podre".
O fato é que o problema, como
aliás tudo que concerne este governo, imerso numa nuvem negra, tomado por uma espécie de
síndrome da Família Adams, começa a resvalar para o terreno do
folclore. Gregori achou por bem
reagir na semana passada à xoxota tabagista que apareceu dando
as suas baforadas no Ratinho.
Ameaçou incluir na nova Lei
Eletrônica de Comunicação de
Massa, em fase de elaboração, um
capítulo proibindo a exibição de
sexo e violência na TV antes das
21h30. Ora, o mesmo governo que
até agora escondeu da sociedade
os termos desse documento que
irá estabelecer a arquitetura legal,
determinar as normas de funcionamento e as formas de concessão da TV, e que vem promovendo reuniões a portas fechadas e
sem acesso da imprensa apenas
com as partes interessadas nesse
negócio fabuloso, resolve dar satisfações à opinião pública com
falas de teor vagamente censório
quando uma vagina fumegante
surge no ar. Há algo errado.
Proíba-se a xoxota no Ratinho e
o problema permanecerá intacto
porque o abuso não está aí. Por
que isso seria mais nocivo ou inaceitável que a entrevista criminosa levada ao ar pela Globo no
"Fantástico" com o "maníaco do
parque"? E o que falar da febre de
"pegadinhas", presentes em praticamente todas as emissoras?
No último sábado, para citar
um caso emblemático pouco comentado, Sérgio Mallandro, essa
figura impoluta da República, levou ao ar uma "brincadeira" na
qual atores disfarçados simulavam uma discussão no auditório.
Um deles sacou uma arma e começou a atirar a esmo. Houve início de pânico e por pouco não se
viu uma tragédia. Informou-se
então que as balas eram de festim.
Estávamos todos assistindo a
uma... "pegadinha".
Vaginas que fumam, tiros de
festim para assustar incautos, entrevistas escabrosas para provocar terror e ódio no público, notas
de dinheiro atiradas na cara de
quem não tem quase nada, gargalhadas provocadas à custa da humilhação dos outros -toda essa
delinquência é a consequência lógica da "desregulamentação" de
mais um mercado. Quem afinal
cultivou o cassino da guerra da
audiência fazendo vista grossa
para a farra do 0900 que tomou
conta das emissoras, mesmo depois que sua legalidade foi posta
em questão?
Este governo afinal das contas
negocista, que opera, segundo as
palavras de um de seus ideólogos,
no "limite da ética" e que trata os
assuntos do país com a desenvoltura e a fúria de um "expert" do
mercado financeiro (eis mais um
de seus feitos, agora na telefonia),
está sendo vítima de seu próprio
feitiço. Como Ratinho ou Hebe
Camargo, ele é ao mesmo tempo
permissivo e moralista, flerta com
a sacanagem (do mercado, no caso) e saca a seguir uma palavra de
autoridade para atender a demanda por ordem dos conservadores. Código de ética nessas circunstâncias? É tiro de festim. Parece a pegadinha do Gregori.
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