São Paulo, domingo, 12 de novembro de 2000

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CRÍTICA
A solidão de Luana

ARMANDO ANTENORE

O LEITOR não se espante, mas há um quê de Greta Garbo em Luana Piovani. Numa era longínqua (1941), a atriz sueca, naturalizada norte-americana, derramou a frase improvável, que perturbou o mundo: "Quero estar só". Não se tratava de marketing. A diva misteriosa, que fizera fama e fortuna no cinema, queria mesmo estar só. Por quê? Já naqueles dias, reivindicar solidão soava estranho.
Greta tinha 36 anos e vivia o auge da carreira. Por que, então, abandonar tudo? Ela, no entanto, abandonou. Fugiu dos holofotes e recolheu-se em um apartamento de Nova York. Jamais explicou as razões do sumiço prematuro. Morreu em abril de 1990, octogenária e ainda reclusa. Seus familiares não divulgaram a causa mortis nem o local exato dos funerais. A "Esfinge do Norte" -apelido que recebeu justamente por cultivar nas telas ares enigmáticos- manteve-se esfinge até o fim.
Luana Piovani, bela e alta como as suecas, não chegou a dizer que desejava estar só. Mas disse algo parecido: "Quero dar um tempo. Vou fechar para balanço". Com apenas 24 anos, a atriz e modelo paulista reclamava de que já sentia o peso da superexposição à mídia -novelas na Globo, desfiles, capas de revista, peças de teatro, namoros públicos. Daí, o anseio de pegar as malas e desaparecer.
À semelhança de Greta, escolheu ocultar-se em Nova York. Mais precisamente, em Manhattan, onde mora há três meses e pouco. A ilha, aliás, continua sendo o refúgio predileto da misantropia chique. Ermitões, casmurros e náufragos de boa cepa adoram se abrigar em Manhattan. Deixam a algazarra do Rio ou de São Paulo e lançam-se à outra selva de prédios. As buzinas e sirenes daqui não gorjeiam como lá.
Ocorre que mil olhos observam o exílio de Luana. A moça decidiu compartilhar a intimidade do degredo com a platéia, a mesma que a oprimia antes da viagem. Em um site (www.terra.com.br/luanany) e um programa semanal da MTV, revela o que pensa, vê e escuta no esconderijo nova-iorquino. Instalou, inclusive, webcams dentro do próprio apartamento, que funcionam 24 horas por dia e transferem as cenas para a Internet (funcionar é força de expressão; não raro, problemas técnicos interrompem as transmissões).
As câmeras da MTV também trabalham à larga. Acompanham Luana constantemente, em casa ou nas ruas, e captam imagens à maneira dos vídeos domésticos. Nutrem fetiche pela informalidade, pelo corriqueiro.
Juntos, os conteúdos do site e do programa compõem, sem dúvida, um certo retrato de época.
Há descobertas: uma loja que vende cookies decorativos; uma agência do correio na Times Square que tem filas tão extensas "quanto as da Bahia"; uma vela com formato de Buda.
Há desafios: comer ervilhas e lentilhas. "Grãos nunca foram o meu forte. Mas a ervilha dos Estados Unidos é muito melhor que a brasileira. E lentilha, se bem preparadinha, pode ser gostosa, sim".
Há surpresas: encontrar Giulia Gam por acaso, passeando pela cidade. "Oi, querida!"
Há angústias: enfrentar a máquina de lavar louças quebrada, que produz "uma água preta, gosmenta e de cheiro insuportável".
Há confidências: "Às vezes, nem eu me aguento".
E há fotos, dezenas de fotos: Luana de ressaca, de toalha, de jeans rasgado, de bicicleta, de maiô, de óculos vermelhos. Luana cabisbaixa, Luana com medo, Luana só sorrisinhos.
Esfinge às avessas, a Greta Garbo brejeira vai desfilando por Manhattan sua solidão ensurdecedora.
Vai, ainda, usufruindo dos dois tipos de fama que, hoje, os meios de comunicação proporcionam: a das estrelas e a das pessoas comuns. Conhecidíssima no Brasil, quase ninguém a percebe em Nova York. Ela entra e sai de onde bem entende sem que a incomodem. Pode, portanto, documentar-se sob a pele banal dos anônimos. Não existe, nesse sentido, nenhuma diferença entre o site de Luana e o de outra garota qualquer. Ambos exploram o filão da vida ordinária convertida em espetáculo.
Transitando do Olimpo às searas comezinhas, a modelo -tão falante, tão desprendida- acaba por criar ilusões de proximidade naqueles que a espiam. Temos mesmo a impressão de que Luana nos pertence.
Impressão que a discreta Greta Garbo também despertava. Em um longo poema dedicado à atriz sueca, Carlos Drummond de Andrade denuncia-se confuso. Acha que aprisionou a musa. Confessa que viu 24 dos 27 filmes em que Greta atuou. Julga-os todos seus. "Contei-os: 24 filmes americanos. Meus."
É somente na última estrofe que o poeta volta, triste, à realidade. Constata: "Agora estou sozinho com a memória/ de que um dia, não importa em sonho,/ imaginei, maquiei, vesti, amei Greta Garbo./ E esse dia durou 15 anos./ E nada se passou além do sonho,/ diante do qual, em torno ao qual, silencioso,/ fatalizado,/ fui apenas voyeur".

E-mail: aluis@folhasp.com.br



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