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CRÍTICA
Por que a TV precisa do cinema
EUGÊNIO BUCCI
PARIS - O princípio é justo e bom. Na França, a televisão sustenta o cinema nacional, ou melhor, ajuda o
Estado a financiá-lo. E ganha com isso. Desde 1984, o
Canal Plus, que é privado e pago, repassa ao cinema
parte de seu faturamento. Hoje, isso representa cerca de US$
140 milhões ao ano. Em troca, tem direito de exibir os filmes
com exclusividade. O apoio estatal ao cinema, ancorado na
visão de que "cultura não é mercadoria" e que, portanto, não
pode ser abandonada às tais leis de mercado, é uma política
defendida tanto pela esquerda como pela direita francesas. É a
política da chamada "exceção
cultural" (o mercado livre pode
correr solto, exceto nas coisas da
cultura), que tem funcionado
bem. De todos os espectadores
que foram ao cinema em 2001,
na França, nada menos que 40%
foram ver um filme francês, uma
porcentagem muito acima da
média européia.
Recentemente, o conglomerado de mídia Vivendi Universal
comprou o Canal Plus, e as coisas mudaram. Em dezembro,
Jean-Marie Messier, presidente
da Vivendi Universal, anunciou
que não dá mais. Alega que não tem mais a exclusividade da
exibição de filmes na TV (o que é verdade) e que vai ficar no
prejuízo. Instalado em seu escritório de Nova York, ele declarou: "A exceção cultural francesa é a morte". Foi uma declaração de guerra, que vem sendo respondida por gente de todos
os partidos. Aqui, a defesa do cinema parece ser uma questão
de soberania da identidade nacional. Cada um tem lá sua visão do que quer dizer identidade nacional, mas todos defendem o cinema. Certamente, com ou sem Canal Plus, com ou
sem Messier, o filme francês continuará a receber recursos da
TV, e esta continuará a receber em troca bons filmes para exibir, além de bons talentos para contratar. A TV, além do país,
ganha com um cinema pujante.
A tese da "exceção cultural" é lugar-comum na Europa. É
uma arma contra as forças do mercado que vêm de fora ou,
mais exatamente, uma arma contra o cinema americano. E no
Brasil, o que temos? Não temos, nem tivemos, nada parecido.
No Brasil, onde cultura é mercadoria e só mercadoria, quem
dá a cara do cinema é mesmo o mercado. Mas, atenção, não é
o cinema americano.
O mercado audiovisual no Brasil não é sinônimo de Hollywood. É sinônimo de televisão. E televisão é sinônimo de Rede Globo. A verdade (de mercado) é que foi a Globo quem
formatou a fisionomia atual do nosso cinema. Ao longos desses 30 anos, ela formou os atores, abrigou os roteiristas, produziu diretores. Deu ao cinema
muita coisa além de xuxas e
trapalhões. Vejo em Paris os
cartazes do filme "Eu Tu Eles",
que faz uma boa carreira por
aqui. É Brasil, sem dúvida. Está
longe de ser Hollywood. E também é Globo. No elenco, no diretor e até na sintaxe ele é Globo. Mesmo um filme como
"Um Copo de Cólera" tem algo
de Globo pois, sem a Globo,
aqueles talentos todos não
existiriam no mercado brasileiro. Com tudo o que tem de monopólio e de manipulação, a
Globo acabou suprindo, não sei se por acidente, a função de
abrigar a formação de uma identidade audiovisual (termo estranho, mas vá lá) brasileira, em oposição ao domínio americano. Isso tudo sem política deliberada nenhuma. É curioso,
mas é fato.
E também é pouco. Alguns canais pagos já ajudam na produção de filmes, mas ainda é pouco. A televisão, o principal
negócio de mídia no Brasil, deve ser chamada a apoiar pesadamente o cinema. É do interesse dela, além de ser do interesse do país. Mais aberto a experimentações, o cinema é que deveria funcionar como o celeiro de talentos e de idéias para a
televisão, nunca o contrário. A TV deveria financiar o cinema,
um cinema radicalmente brasileiro, porque poderia buscar
nele algumas saídas para a pasmaceira estética em que se encontra.
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