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ENTREVISTA
Ex-superintendente artístico e operacional do SBT revela sua mágoa com Silvio Santos
Luciano Callegari prepara sua volta à TV após 2 anos
Évelson de Freitas/Folha Imagem
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Luciano Callegari, ex-superintendente artístico e operacional e hoje consultor do SBT |
ANNA LEE
COLUNISTA DA FOLHA
P ARA marcar sua volta à TV, depois
de um afastamento de dois anos,
Luciano Callegari, 59, o homem que por
muito tempo mandou e desmandou no
SBT, está preparando uma série de programas para a TV aberta.
Em julho termina seu contrato com o
SBT, onde exerceu as funções de vice-presidente e de superintendente artístico
e operacional, e de onde se desligou,
quando Silvio Santos, o dono da emissora, assumiu o comando e passou a exercer funções executivas na empresa.
Os planos de Callegari não excluem o
SBT, mas o executivo vê poucas chances
de executar seus projetos na emissora de
Silvio Santos.
Avesso a entrevistas, ele concordou em
falar à Folha. Leia a seguir trechos da
conversa na qual ele fala sobre seus planos, os motivos pelos quais se afastou do
SBT e analisa a influência do Ibope na
programação da TV aberta.
Em que consiste o projeto que o sr. está
elaborando para a TV aberta?
É uma série de cinco programas para o
horário noturno. Estou negociando com
uma emissora, mas ainda não posso revelar qual. Não é o SBT. Estamos discutindo custos. A perspectiva é que tudo
saia do papel no segundo semestre deste
ano. Pretendemos fazer uma grade, para
depois da novela das oito da Globo. É um
programa para cada dia da semana.
O sr. também tem um projeto para o
SBT?
O Silvio (Santos) me ofereceu um projeto, que será analisado numa reunião
nos próximos dias. Dependendo do que
acertarmos, uma coisa invalidará a outra. Conhecendo a situação do SBT e a
cabeça do Silvio, é possível que me seja
apresentada uma proposta que não me
interesse. Se me derem liberdade para
trabalhar, tudo bem. Mas, como pensamos diferente, é pouco provável.
Por que motivo o sr. se afastou do SBT?
Qual é a situação da emissora hoje?
Conheci o Silvio quando eu tinha 16
anos. Nos 40 anos que trabalhamos juntos, muitas coisas aprendi com ele, e ele,
comigo. O Silvio sempre foi um homem
de palco e eu, de bastidores. Só que um
dia ele decidiu virar executivo, e não pudemos continuar juntos. Temos maneiras diferentes de administrar. Fiquei
com a função de consultor, mas nunca
fui solicitado. É a mesma coisa que aconteceu com o Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho) na Globo, a diferença está no salário.
Quais são as divergências entre o sr. e o
Silvio Santos?
O jornalismo não entusiasma o Silvio,
porque, na maioria das vezes, além de ser
caro, não dá a audiência para cobrir os
custos. Ele não entende isso. Até na Globo, na época do Boni -não sei agora-,
não era exigido que o faturamento cobrisse os custos. Esse talvez tenha sido o
principal motivo dos desentendimentos
entre mim e o Silvio. Eu não acredito numa emissora sem um jornalismo de primeira linha. O SBT começou a ser visto
como uma rede de verdade no momento
em que implantamos um jornalismo sério que se iniciou com o Boris Casoy. Depois vieram a Lillian Witte Fibe, a Mônica Waldvogel, a Marília Gabriela e muitos outros. O próprio "Aqui Agora" teve
méritos. Tinha uma linguagem diferenciada e teve uma audiência extraordinária. Nessa época, a Globo teve que rever
conceitos e passou a tratar a notícia com
menos formalidade. Hoje, o SBT perdeu
seus melhores profissionais nessa área e
não tem perspectiva de um futuro otimista. Até o Jô Soares, que foi a grande
arma do SBT contra a rejeição que sofria
dos próprios artistas, saiu. O Silvio sempre quis fazer uma televisão popular e está fazendo. Mas não devia ser de forma
tão radical. O intuito dele é audiência
com entretenimento, o resto é conversa.
Mas audiência é o intuito de toda emissora. Quando se fala em audiência não está se falando em receita?
Nem sempre. A ditadura do Ibope existe, e é claro que é mais fácil faturar quando se tem um produto que dá audiência.
São raras as exceções, como era o caso do
Serginho Groisman (com o "Programa
Livre") e do Jô (com o "Jô Soares Onze e
Meia"), que tinham anunciantes fazendo
fila para expor seus produtos, porque
eram programas de qualidade. Já tivemos mais audiência no SBT do que temos hoje. O "Povo na TV" dava 28 pontos à tarde, e nossa receita era zero. A
programação muito popular dava audiência, mas a empresa estava falindo.
Essa foi a grande crise que passamos há
alguns anos. Fomos obrigados a contratar um departamento comercial profissional e a repensar nossa programação.
O sr. considera o jornalismo da Globo de
primeira linha?
Apesar de reconhecer que é o mais
completo da TV, tenho críticas. A abordagem da parte política não me agrada,
não mantém a neutralidade. Num país
com milhares de problemas, não pode se
dar quase um bloco inteiro do "Jornal
Nacional" para o nascimento da filha da
Xuxa e outras reportagens irrelevantes.
A omissão de informações de eventos
das outras redes só porque são concorrentes é intolerável no jornalismo moderno. A Lillian (Witte Fibe), no "Jornal
da Globo", tem procurado abordar assuntos de interesse popular, pois a política e a economia não despertam interesse
da maioria. Ela já fazia isso no SBT. O
que me causa estranheza é a preocupação dela com a forma de se apresentar.
Ela se transformou na atriz da notícia.
Aquele sorriso no início e final do programa não é espontâneo. Ela é uma grande jornalista e não precisa se preocupar
em sorrir para o telespectador.
Por muito tempo existiu um limite definido entre a Globo e o SBT. Hoje a Globo se
preocupa mais com a concorrência?
Essa preocupação não começou agora.
A Globo durante muito tempo se acomodou porque o ibope dela era muito
mais alto do que o das outras. No momento em que o SBT mostrou que pretendia fazer uma rede de televisão séria, e
ela começou a perder alguns pontos, sua
postura mudou. Preocupou-se principalmente quando tiramos profissionais
de seu jornalismo. Com a saída do Jô
Soares de lá, percebeu que teria problemas com o SBT. Seu departamento comercial constatou que as verbas que
eram muito fáceis para a Globo estavam
se transferindo para o SBT. Daqueles
70% de faturamento que eram destinados a ela, estava perdendo 5 ou 10%. Começamos então a briga com o Ibope.
O que aconteceu com o Ibope?
Nunca contestei a liderança da Globo,
só que a diferença era muito grande entre a Globo e o SBT. Sempre discuti com
o Montenegro (Carlos Augusto, diretor
executivo do Ibope) que aqueles números exageradamente altos representavam milhões em faturamento e podiam
levar até uma emissora à falência. Nunca
achei que o SBT tivesse o primeiro lugar,
mas que a diferença entre o primeiro e o
segundo lugar era absurda. Permitia que
a Globo continuasse com seus 70% do
mercado e ficássemos com aquela míngua, sempre morrendo na praia. O próprio Boni não admitia perder nem um
ponto. Quando acontecia, ligava para o
Montenegro e falava aqueles palavrões
dele. A pressão era violenta, o maior faturamento do Ibope era a Globo que
propiciava. Não posso afirmar que havia
manipulação do Ibope, porque não tenho provas, mas eu achava que isso podia acontecer. Para atacar, contratamos
a Nielsen, a maior empresa de pesquisa
do mundo. Pagamos US$ 1,5 milhão
adiantados para a implantação dos sistemas, e, um ano e meio depois, nos disseram que não tinham condições técnicas.
Vi que essa guerra não íamos ganhar
nunca.
Isso foi quando o SBT investiu em mesclar sua programação com produtos populares e de qualidade. Mas hoje o Silvio
Santos fez uma opção clara pelo popular.
Ainda assim a Globo parece preocupada
com a disputa de audiência com o SBT...
A Globo está passando por um momento de dificuldade. Apesar de ter dois
anos que assumiu o lugar do Boni, a
Marluce (Dias da Silva, diretora-geral),
ainda não assimilou a função. Ela não
tem know-how e segurança para bancar
programas, como o Boni tinha. Hoje, falta na Globo uma figura como ele, por isso está esse tumulto. A Marluce não tem
que olhar para aquilo que o SBT está fazendo, mas para o que ela está fazendo. A
programação deles não está boa, precisam fazer ajustes, criar coisas novas. O
"Globo Repórter", por exemplo, se
transformou no "Globo Animal". Ninguém diz que esse tipo de programa é
ruim, mas não é para ser visto às 22h. Estão fazendo uma interpretação errada
das pesquisas.
Se fosse dado ao sr. a incumbência de
mudar a grade da Globo, que alterações
faria?
Eu não teria as respostas agora, mas,
reafirmo, o principal problema lá é a falta
de comando de alguém que entenda do
negócio. A Globo está pagando o preço
de ter colocado lá uma pessoa que não é
de televisão. Eu, por exemplo, fui durante oito anos vice-presidente do SBT e foi
um desastre. Não era minha praia.
Quando o Guilherme Stoliar entrou, foi
um alívio.
A nomeação de Marluce Dias da Silva teria o objetivo de dar um perfil mais empresarial à Globo?
Quanto ao dinheiro, todo mundo sabe
que o Boni, se não gostasse de um programa, jogava tudo no lixo e mandava
refazer. Resolveram mudar e encostaram o Boni. Mas a Marluce centralizou
tudo. Isso é uma cachaça. O cargo mais
cobiçado da televisão é a superintendência artística operacional. Porque você define, decide, está perto dos artistas. Não
tenho dúvida de que foi isso que aconteceu com ela. Ninguém escapa disso.
Como o sr. tem conseguido ficar longe
da TV?
Depois de 40 anos de televisão, estou
me proporcionando um descanso. Primeiro era o "Programa Silvio Santos", na
Globo, depois ganhamos um canal de televisão do Figueiredo (o ex-presidente
João Baptista Figueiredo), porque a mulher dele (dona Dulce) gostava do Silvio.
Aí ganhamos a concorrência da rede e
montamos o SBT. Modéstia à parte, fui
eu e minha equipe que fizemos tudo isso.
Mas a paixão acabou. O Silvio assumiu e
mudou tudo. Não sinto falta de algo que
não existe mais.
O sr. teve convites de outras emissoras?
Quando o Lafon (Eduardo) saiu da Record, o bispo Gonçalves me convidou,
mas não quis pagar a multa rescisória,
uma mixaria de US$ 3 milhões. O Lafon
se meteu em uma situação complicada
lá. Pensou que estava com seu contrato
guardado e por isso fechou com o Silvio.
Mas o Gonçalves tinha pegado o contrato na gaveta dele. Só que o Lafon é vivo e
dobrou o bispo. Ele contando é de morrer de rir. Mas avisei que estava fazendo
besteira. Na Record ele seria o rei, o todo-poderoso. No SBT, nunca vai mandar
merda nenhuma. Sabemos que o Silvio
não deixa ninguém mandar em porra
nenhuma, nem na casa dele, ele quer
mandar em tudo.
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