São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 2000


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ENTREVISTA
Ex-superintendente artístico e operacional do SBT revela sua mágoa com Silvio Santos
Luciano Callegari prepara sua volta à TV após 2 anos

Évelson de Freitas/Folha Imagem
Luciano Callegari, ex-superintendente artístico e operacional e hoje consultor do SBT


ANNA LEE
COLUNISTA DA FOLHA

P ARA marcar sua volta à TV, depois de um afastamento de dois anos, Luciano Callegari, 59, o homem que por muito tempo mandou e desmandou no SBT, está preparando uma série de programas para a TV aberta.
Em julho termina seu contrato com o SBT, onde exerceu as funções de vice-presidente e de superintendente artístico e operacional, e de onde se desligou, quando Silvio Santos, o dono da emissora, assumiu o comando e passou a exercer funções executivas na empresa.
Os planos de Callegari não excluem o SBT, mas o executivo vê poucas chances de executar seus projetos na emissora de Silvio Santos.
Avesso a entrevistas, ele concordou em falar à Folha. Leia a seguir trechos da conversa na qual ele fala sobre seus planos, os motivos pelos quais se afastou do SBT e analisa a influência do Ibope na programação da TV aberta.

Em que consiste o projeto que o sr. está elaborando para a TV aberta?
É uma série de cinco programas para o horário noturno. Estou negociando com uma emissora, mas ainda não posso revelar qual. Não é o SBT. Estamos discutindo custos. A perspectiva é que tudo saia do papel no segundo semestre deste ano. Pretendemos fazer uma grade, para depois da novela das oito da Globo. É um programa para cada dia da semana.
O sr. também tem um projeto para o SBT?
O Silvio (Santos) me ofereceu um projeto, que será analisado numa reunião nos próximos dias. Dependendo do que acertarmos, uma coisa invalidará a outra. Conhecendo a situação do SBT e a cabeça do Silvio, é possível que me seja apresentada uma proposta que não me interesse. Se me derem liberdade para trabalhar, tudo bem. Mas, como pensamos diferente, é pouco provável.
Por que motivo o sr. se afastou do SBT? Qual é a situação da emissora hoje?
Conheci o Silvio quando eu tinha 16 anos. Nos 40 anos que trabalhamos juntos, muitas coisas aprendi com ele, e ele, comigo. O Silvio sempre foi um homem de palco e eu, de bastidores. Só que um dia ele decidiu virar executivo, e não pudemos continuar juntos. Temos maneiras diferentes de administrar. Fiquei com a função de consultor, mas nunca fui solicitado. É a mesma coisa que aconteceu com o Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho) na Globo, a diferença está no salário.
Quais são as divergências entre o sr. e o Silvio Santos?
O jornalismo não entusiasma o Silvio, porque, na maioria das vezes, além de ser caro, não dá a audiência para cobrir os custos. Ele não entende isso. Até na Globo, na época do Boni -não sei agora-, não era exigido que o faturamento cobrisse os custos. Esse talvez tenha sido o principal motivo dos desentendimentos entre mim e o Silvio. Eu não acredito numa emissora sem um jornalismo de primeira linha. O SBT começou a ser visto como uma rede de verdade no momento em que implantamos um jornalismo sério que se iniciou com o Boris Casoy. Depois vieram a Lillian Witte Fibe, a Mônica Waldvogel, a Marília Gabriela e muitos outros. O próprio "Aqui Agora" teve méritos. Tinha uma linguagem diferenciada e teve uma audiência extraordinária. Nessa época, a Globo teve que rever conceitos e passou a tratar a notícia com menos formalidade. Hoje, o SBT perdeu seus melhores profissionais nessa área e não tem perspectiva de um futuro otimista. Até o Jô Soares, que foi a grande arma do SBT contra a rejeição que sofria dos próprios artistas, saiu. O Silvio sempre quis fazer uma televisão popular e está fazendo. Mas não devia ser de forma tão radical. O intuito dele é audiência com entretenimento, o resto é conversa.
Mas audiência é o intuito de toda emissora. Quando se fala em audiência não está se falando em receita?
Nem sempre. A ditadura do Ibope existe, e é claro que é mais fácil faturar quando se tem um produto que dá audiência. São raras as exceções, como era o caso do Serginho Groisman (com o "Programa Livre") e do Jô (com o "Jô Soares Onze e Meia"), que tinham anunciantes fazendo fila para expor seus produtos, porque eram programas de qualidade. Já tivemos mais audiência no SBT do que temos hoje. O "Povo na TV" dava 28 pontos à tarde, e nossa receita era zero. A programação muito popular dava audiência, mas a empresa estava falindo. Essa foi a grande crise que passamos há alguns anos. Fomos obrigados a contratar um departamento comercial profissional e a repensar nossa programação.
O sr. considera o jornalismo da Globo de primeira linha?
Apesar de reconhecer que é o mais completo da TV, tenho críticas. A abordagem da parte política não me agrada, não mantém a neutralidade. Num país com milhares de problemas, não pode se dar quase um bloco inteiro do "Jornal Nacional" para o nascimento da filha da Xuxa e outras reportagens irrelevantes. A omissão de informações de eventos das outras redes só porque são concorrentes é intolerável no jornalismo moderno. A Lillian (Witte Fibe), no "Jornal da Globo", tem procurado abordar assuntos de interesse popular, pois a política e a economia não despertam interesse da maioria. Ela já fazia isso no SBT. O que me causa estranheza é a preocupação dela com a forma de se apresentar. Ela se transformou na atriz da notícia. Aquele sorriso no início e final do programa não é espontâneo. Ela é uma grande jornalista e não precisa se preocupar em sorrir para o telespectador.
Por muito tempo existiu um limite definido entre a Globo e o SBT. Hoje a Globo se preocupa mais com a concorrência?
Essa preocupação não começou agora. A Globo durante muito tempo se acomodou porque o ibope dela era muito mais alto do que o das outras. No momento em que o SBT mostrou que pretendia fazer uma rede de televisão séria, e ela começou a perder alguns pontos, sua postura mudou. Preocupou-se principalmente quando tiramos profissionais de seu jornalismo. Com a saída do Jô Soares de lá, percebeu que teria problemas com o SBT. Seu departamento comercial constatou que as verbas que eram muito fáceis para a Globo estavam se transferindo para o SBT. Daqueles 70% de faturamento que eram destinados a ela, estava perdendo 5 ou 10%. Começamos então a briga com o Ibope.
O que aconteceu com o Ibope?
Nunca contestei a liderança da Globo, só que a diferença era muito grande entre a Globo e o SBT. Sempre discuti com o Montenegro (Carlos Augusto, diretor executivo do Ibope) que aqueles números exageradamente altos representavam milhões em faturamento e podiam levar até uma emissora à falência. Nunca achei que o SBT tivesse o primeiro lugar, mas que a diferença entre o primeiro e o segundo lugar era absurda. Permitia que a Globo continuasse com seus 70% do mercado e ficássemos com aquela míngua, sempre morrendo na praia. O próprio Boni não admitia perder nem um ponto. Quando acontecia, ligava para o Montenegro e falava aqueles palavrões dele. A pressão era violenta, o maior faturamento do Ibope era a Globo que propiciava. Não posso afirmar que havia manipulação do Ibope, porque não tenho provas, mas eu achava que isso podia acontecer. Para atacar, contratamos a Nielsen, a maior empresa de pesquisa do mundo. Pagamos US$ 1,5 milhão adiantados para a implantação dos sistemas, e, um ano e meio depois, nos disseram que não tinham condições técnicas. Vi que essa guerra não íamos ganhar nunca.
Isso foi quando o SBT investiu em mesclar sua programação com produtos populares e de qualidade. Mas hoje o Silvio Santos fez uma opção clara pelo popular. Ainda assim a Globo parece preocupada com a disputa de audiência com o SBT...
A Globo está passando por um momento de dificuldade. Apesar de ter dois anos que assumiu o lugar do Boni, a Marluce (Dias da Silva, diretora-geral), ainda não assimilou a função. Ela não tem know-how e segurança para bancar programas, como o Boni tinha. Hoje, falta na Globo uma figura como ele, por isso está esse tumulto. A Marluce não tem que olhar para aquilo que o SBT está fazendo, mas para o que ela está fazendo. A programação deles não está boa, precisam fazer ajustes, criar coisas novas. O "Globo Repórter", por exemplo, se transformou no "Globo Animal". Ninguém diz que esse tipo de programa é ruim, mas não é para ser visto às 22h. Estão fazendo uma interpretação errada das pesquisas.
Se fosse dado ao sr. a incumbência de mudar a grade da Globo, que alterações faria?
Eu não teria as respostas agora, mas, reafirmo, o principal problema lá é a falta de comando de alguém que entenda do negócio. A Globo está pagando o preço de ter colocado lá uma pessoa que não é de televisão. Eu, por exemplo, fui durante oito anos vice-presidente do SBT e foi um desastre. Não era minha praia. Quando o Guilherme Stoliar entrou, foi um alívio.
A nomeação de Marluce Dias da Silva teria o objetivo de dar um perfil mais empresarial à Globo?
Quanto ao dinheiro, todo mundo sabe que o Boni, se não gostasse de um programa, jogava tudo no lixo e mandava refazer. Resolveram mudar e encostaram o Boni. Mas a Marluce centralizou tudo. Isso é uma cachaça. O cargo mais cobiçado da televisão é a superintendência artística operacional. Porque você define, decide, está perto dos artistas. Não tenho dúvida de que foi isso que aconteceu com ela. Ninguém escapa disso.
Como o sr. tem conseguido ficar longe da TV?
Depois de 40 anos de televisão, estou me proporcionando um descanso. Primeiro era o "Programa Silvio Santos", na Globo, depois ganhamos um canal de televisão do Figueiredo (o ex-presidente João Baptista Figueiredo), porque a mulher dele (dona Dulce) gostava do Silvio. Aí ganhamos a concorrência da rede e montamos o SBT. Modéstia à parte, fui eu e minha equipe que fizemos tudo isso. Mas a paixão acabou. O Silvio assumiu e mudou tudo. Não sinto falta de algo que não existe mais.
O sr. teve convites de outras emissoras?
Quando o Lafon (Eduardo) saiu da Record, o bispo Gonçalves me convidou, mas não quis pagar a multa rescisória, uma mixaria de US$ 3 milhões. O Lafon se meteu em uma situação complicada lá. Pensou que estava com seu contrato guardado e por isso fechou com o Silvio. Mas o Gonçalves tinha pegado o contrato na gaveta dele. Só que o Lafon é vivo e dobrou o bispo. Ele contando é de morrer de rir. Mas avisei que estava fazendo besteira. Na Record ele seria o rei, o todo-poderoso. No SBT, nunca vai mandar merda nenhuma. Sabemos que o Silvio não deixa ninguém mandar em porra nenhuma, nem na casa dele, ele quer mandar em tudo.


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