São Paulo, domingo, 13 de outubro de 2002

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A Globo abre espaço para a produção independente e lança microssérie sobre o tráfico de drogas com jovens atores do filme "Cidade de Deus"

Quem te viu e quem te vê

Divulgação
Douglas Silva, 14, que estrela "Cidade dos Homens", atração da Globo de terça a sexta-feira, às 22h45


FERNANDA DANNEMANN
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

Quem sintonizar a Rede Globo nas noites das próximas terça, quarta, quinta e sexta-feira terá uma surpresa. Estará no ar a microssérie "Cidade dos Homens", com atores e uma temática -o conflito interno de meninos pobres assediados pelo tráfico de drogas- que normalmente não se vêem na emissora.
"Queremos comemorar o mês da criança de uma maneira diferente", diz o diretor de núcleo Guel Arraes, que trouxe para a emissora os atores do grupo Nós do Cinema, uma ONG que surgiu para que os 200 jovens que atuaram no filme "Cidade de Deus", todos de comunidades pobres do Rio, não ficassem sem rumo após as filmagens.
A microssérie de agora, uma co-produção da Globo com a O2 Filmes, de Fernando Meirelles, que dirigiu "Cidade de Deus" com Katia Lund, inaugura a parceria da emissora com produtoras independentes. A idéia é criar uma linha de programas diferenciados para "ventilar" a programação.
Filhote de "Palace 2", história exibida no "Brava Gente" no final de 2001 e que deu uma audiência surpreendente para a emissora, apesar da temática árida e dos atores desconhecidos -todos do "Nós do Cinema"-, a nova microssérie terá quatro episódios -"Correio", "A Coroa do Imperador", "O Cunhado do Cara" e "Uólace e João Vitor"- escritos e dirigidos por Jorge Furtado, Regina Casé, César Charlone, Guel Arraes e, de novo, Meirelles e Katia, além de Paulo Lins.
Longe de ser um documentário, as aventuras de Acerola e Laranjinha, os heróis de "Palace 2" (interpretados por Douglas Silva e Darlan Cunha, astros de "Cidade de Deus") serão mostradas em película e terão final feliz.
Na vida real, Douglas e Darlan, ambos de 14 anos, dizem querer seguir a carreira de ator, mas, de preferência, no cinema. "Não penso em fazer TV porque não gosto de novela nem desses programas de auditório do domingo. Quando era pequeno, em vez de assistir à Xuxa, eu ia soltar pipa e jogar bola", diz Darlan. "Novela? Dependendo do cachê...".
Para Douglas, que acha o "maior barato" ser reconhecido na rua, cinema é melhor porque há mais liberdade de expressão. "Mas o que vier, veio, né?", filosofa.
Outros sete atores de "Cidade de Deus" tiveram sua oportunidade na Globo, atuando ou fazendo a produção dos episódios. Damião Firmino, 15, interessado em fazer TV, tem como segunda opção a aeronáutica. "Mas só se não der pra ser ator."
"Antes do filme, ninguém lá onde moro [Padre Miguel, zona Oeste do Rio] falava comigo; agora, todo mundo fala. Pra não acharem que sou estrela e ignorante, dou atenção", afirma Firmino.
Shirley Cruz, 27, foi assistente de produção na microssérie da Globo e diz que, depois de "Cidade de Deus", ganhou amigos ilustres e também descobriu a falsidade que cerca os famosos: "Fomos a uma festa com a Katia [Lund] num lugar chique aqui no Rio e todo mundo ficou olhando esquisito "pros" quatro negões de chinelo. Quando a Katia falou que éramos do filme, foi um tal de puxar mesa pra gente sentar, oferecer comida".
Ela também descobriu que cada ator tem seu preço: "Sei que, se pagam R$ 20 mil pra um ator da nossa idade, branco, da zona Sul, pra nós, que somos negros e da favela, acham que R$ 2 mil está bom".


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