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CRÍTICA
Muita saliva, pouco jornalismo
FERNANDO DE BARROS E SILVA
Editor-adjunto de Opinião
A Copa do Mundo é um
evento da televisão. E televisão funciona para ser
vista, mais do que ouvida. Comentário acaciano, sem dúvida. Até ocioso, se a nossa TV não insistisse em fazer da cobertura da Copa um falatório infindável. Sobram
programas com especialistas e diletantes acotovelados em torno de uma
mesa, discutindo como
se estivessem definindo
os destinos da humanidade, e faltam imagens,
criatividade e sobretudo
informação. Conhecendo-se as possibilidades
técnicas e os investimentos das emissoras, a cobertura da Copa é quase
uma decepção.
Nem mesmo os treinos
da seleção de Zagallo
conseguimos ver direito.
E onde estão as reportagens sobre as outras seleções? Alguém viu um
único treino da Escócia?
Alguma reportagem digna do nome sobre Noruega ou Marrocos, Argentina ou Alemanha?
Entrevistas interessantes
com craques que não os
brasileiros? E informações, mesmo que básicas,
sobre um pouco da vida
de cada país? Se alguém
viu alguma coisa parecida com isso, teve sorte. O
grosso da TV tem passado ao largo da notícia.
São também em geral
indolentes e tolas as matérias de apoio, aquilo
que em jargão jornalístico se conhece por "side", isto é, reportagens
secundárias encarregadas de desenvolver aspectos específicos do tema central (no caso os jogos), agregar dados, análises, situações curiosas
-enfim, dar um pouco
de tempero e sabor inusitado ao prato principal.
Nada impede que os
"sides", pelo fato mesmo de não terem maior
compromisso com as
"hard news" (notícias
mais importantes), sejam
ousados, graciosos, e,
por que não?, até inteligentes. Mas o que têm sido as matérias de apoio
na TV? Um pouco mais
do que um amontoado
de clichês estúpidos.
Nem a empresa de turismo mais massificada
(embora falar em turismo não massificado seja
no fundo um contra-senso) seria capaz de fazer
um roteiro de Paris tão
vulgar como o que temos
visto. Isso para não falar
da frequência com que
surgem na tela as hordas
de brazucas fantasiados,
arrotando bobagens e fazendo macacadas embaixo da Torre Eiffel. Dizer
que isso é constrangedor
é uma gentileza.
Afora isso, é preciso dizer duas palavras sobre o
ufanismo, em homenagem à vulgaridade. A
Globo, a emissora que
tem um caso de amor
com o Brasil, é líder também nesse aspecto. O
fantasma da concorrência até que obriga a emissora a botar um certo
freio na patacoada nacionalisteira, mas ela volta
como que por obra da
natureza. A cobertura da
Globo, muito superior às
demais em recursos técnicos, é contaminada pelo vício do melodrama,
por uma espécie de tentação mexicana, por uma
intenção de arrancar do
espectador emoções as
mais previsíveis e sentimentos patrióticos os
mais dispensáveis.
Semanas antes da Copa, quando a zorra da
CBF veio à tona, deixando evidente o grau de
despreparo e amadorismo de quem dirige o futebol brasileiro, para não
dizer coisa pior, a Globo
ensaiou algumas críticas,
foi induzida a fazer um
pouco de jornalismo.
Aproximando-se a data
da estréia, no entanto,
veio à tona o verdadeiro
Galvão Bueno e sua equipe de jornalistas-escoteiros. Até reportagem para
reabilitar Bebeto a emissora se encarregou de fazer, cumprindo à risca
sua vocação oficiosa.
Não desconheço que a
Copa do Mundo mexe
com os nervos da gente e
provoca emoções fortes
em quase todos os brasileiros, inclusive jornalistas, é óbvio. Mas o jornalismo esportivo em geral,
e o televisivo em particular, exceções confirmando a regra, ainda vive numa espécie de era primitiva. É demasiadamente
promíscuo. Ganharia
muito em qualidade se
investisse um pouco
mais de energia em objetividade e distanciamento. Senso crítico, é bom
dizer, não se mede pela
quantidade de veias que
saltam do pescoço ou pela quantidade de perdigotos que pulam da boca
dos comentaristas na hora de achincalhar Zagallo, mas por uma atitude
menos comprometida
com o objeto de análise.
A figura lúcida e serena
de Tostão, craque também como comentarista,
talvez seja a melhor tradução disso. Mas o Ronaldinho da TV, se podemos falar assim em termos hiperbólicos, é José
Trajano, uma prova de
que até no Brasil ufanista
da corrente pelo penta
sobra espaço para falar
de futebol com inteligência e ironia fina -ou, se
quiserem, dosando raiva,
paixão e paciência.
E dá-lhe ameriquinha,
que ninguém é de ferro.
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