São Paulo, domingo, 14 de outubro de 2001

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CONCORRÊNCIA ANIMADA

Canais infantis fazem de tudo para atrair as crianças, capazes de gerar audiências tão altas quanto as dos noticiários sobre o terrorismo

Desenhos ameaçam até o ibope da guerra

Divulgação
A atriz Mariana Ximenez dubla o desenho "Sorriso Metálico"


MARCELO MIGLIACCIO
DA REDAÇÃO

UM GRANDE consumidor, pequeno apenas no tamanho, está provocando uma das maiores disputas dos últimos tempos na televisão brasileira. De olho no público infantil, os seis canais de TV paga voltados para crianças e pré-adolescentes travam uma batalha ferrenha por uma audiência que, até por falta de opções, se revela a mais fiel do meio televisivo.
No dia 11 de setembro, por exemplo, logo depois dos primeiros ataques terroristas nos Estados Unidos, os canais de notícia Globo News, CNN, CNN em espanhol e Band News dividiram os sete primeiros lugares na audiência medida pelo Ibope com o Cartoon Network, o Fox Kids e o Nickelodeon. Prova de que, mesmo em tempo de guerra, o desenho animado tem seu nicho preservado.
"É um mercado muito competitivo, em que há um investimento significativo. As crianças têm sido muito seletivas na escolha dos canais", afirma Emiliano Calemzuk, presidente da Fox Kids América Latina, que, no Brasil, ameaça de perto a liderança do Cartoon na faixa etária entre 4 e 11 anos.
Os aparelhos "people meter", que o Ibope utiliza para aferir a audiência com base em uma amostragem de domicílios (250 em São Paulo e 150 no Rio), revelaram que, entre março e agosto deste ano, 36,9% das crianças de 4 a 11 anos passaram pelo menos um minuto sintonizadas no Cartoon. Em seguida, aparece o Fox Kids, com 26,9%; o Nickelodeon é o terceiro, com 19,5%. O primeiro canal não-infantil a surgir na lista é o TNT, em quarto lugar, com 9%.
O cardápio oferecido ao público mirim é baseado em desenhos animados e séries, mas as promoções de eventos são outro pilar importante. "O sucesso do Cartoon hoje e no futuro dependerá de nossa habilidade em ter um relacionamento integrado e interativo com nosso público-alvo", diz o vice-presidente de marketing do Cartoon Network para a América Latina, Fernando de Los Reyes.
Campeonatos de futebol e outras competições, excursões com crianças selecionadas, premiações de artistas, desenhos animados com finais decididos pelo público... Qualquer idéia para estreitar os laços da criança com o canal é bem-vinda. O prêmio Kids" Choice 2001, promovido pelo Nickelodeon, por exemplo, levou 2,5 mil crianças e pais ao ATL Hall, no Rio, no mês passado, para festejar os artistas mais populares entre os 35 mil eleitores que votaram em seus favoritos por e-mail ou carta.
Para Herbert Grecco, gerente de marketing do Disney Channel Brasil, porém, essas promoções são importantes apenas para chamar a atenção do público. "Se a programação não for boa, o evento acaba multiplicando o desapontamento", diz o executivo.
Tirar a criança de casa ou, pelo menos, levá-la da frente da TV até o computador parece ser uma estratégia comum a todos os canais infantis. Os três sites do Cartoon registram cerca de 1 milhão de acessos mensais. No mesmo período o Nickelodeon recebe 60 mil e-mails só da América Latina.
Com os pais cada vez mais ocupados com o trabalho, as áreas de lazer em extinção nas grandes cidades e o fantasma da violência urbana sempre à espreita, o tempo médio que uma criança passa diante da TV está na casa das três horas diárias (dado do Ibope, de 96).
"A criança está muito entregue à TV, que deve ser objeto e não sujeito. É um veículo que encanta e a família fica mais livre", afirma a premiada escritora de livros infantis Ruth Rocha, que tem 140 obras publicadas no Brasil e no exterior.

Violência
Ruth joga no time dos que criticam a violência "absurda" de alguns desenhos animados e diz que procura dar outras opções de lazer aos netos pequenos. "Levo a teatro, mostro livros interessantes, exposições. Mas não dá para manter uma criança alheia à TV."

Divulgação
"Bibo Pai e Bob Filho", clássico exibido pelo canal Boomerang


No time que não acredita nos efeitos nocivos de socos, tiros e pontapés sobre a mente infantil joga, entre outros, a pedagoga e psicóloga Elza Dias Pacheco, que há 20 anos pesquisa a relação entre o público infantil e a TV. "A criança reelabora o que vê e distingue ficção de realidade, como quando brinca de boneca ou de bandido e mocinho." Para a pesquisadora, entretanto, os pais devem acompanhar o que a criança assiste.
Elza diz que a programação infantil tem um papel importante no desenvolvimento cognitivo e de vocabulário. "Através de desenhos que duram em média 375 segundos, a criança aprende a estruturar e a contar uma história. É um veículo que deveria ser mais utilizado pelos professores nas escolas."
"Acho que não existe um canal 100% vida cor-de-rosa. Dependendo do contexto, a violência pode levar a criança a uma resolução catártica", afirma a diretora de programação e produção do Discovery Kids na América Latina, Beth Carmona. O canal centra seu foco no público pré-escolar e consegue bons índices exibindo o inocente "Teletubbies" e o educativo "Bob, o Construtor".

Publicidade
É bom lembrar que o Ibope começou a medir a audiência da TV paga este ano e o bom desempenho dos canais infantis deve atrair mais verbas de publicidade nos próximos meses. Entre janeiro e junho de 2001, ainda de acordo com o Ibope, Cartoon, Fox Kids e Nickelodeon ficaram com pouco mais de 6% do montante investido pelos anunciantes em 22 canais de TV paga pesquisados.
"Na primeira infância, com os pais ausentes por longos períodos, a publicidade insere produtos que, simbolicamente, vão representar o afeto materno. Quando cresce mais um pouco, a criança fixa a idéia do consumo como algo que supre uma falta, um desejo", afirma o professor Alexandre Dias Paza, do Laboratório de Pesquisa sobre Infância, Imaginário e Comunicação, da ECA-USP. Ele, no entanto, não vê a publicidade como única vilã. "Ela é um espelho cruel da nossa sociedade e do fascismo da linguagem."
E não são só os fabricantes de biscoitos, iogurtes, sorvetes e brinquedos que incluíram os canais infantis em seus planos de mídia. Até fabricas de automóveis aderiram. "Alguns anunciantes percebem que as crianças exercem grande influência na decisão de compra dos pais", diz Tatiana Rodríguez, diretora de Programação e Aquisições do Nickelodeon.
Mas muitos adultos assistem sozinhos ao canal infantil. Desenhos e séries antigas são a isca. O Boomerang, especializado em clássicos, quer atrair não só crianças na primeira infância como os saudosos da inocência perdida. E a faixa "Insomnia", do Fox Kids, exibida diariamente a partir de 0h, cativa adultos que adoram os velhos "Batman" e "Picapau".



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