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Emissoras voltam a investir em pegadinhas, que garantem audiência, mas também reclamações
É para rir ou para chorar?
Eduardo Knapp/Folha Imagem
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Marco Antônio Martini (à dir.) assusta um pedestre no programa "Eu Vi na TV"; ex-palhaço de circo, o ator é dos que mais improvisam |
FERNANDA DANNEMANN
DA REPORTAGEM LOCAL
AS PEGADINHAS voltaram com
tudo na TV aberta, onde viraram sinônimo de ganho imediato de audiência.
No último dia 8, por exemplo, o apresentador Leão, da Band, conseguiu colocar o
seu "Sabadaço" em primeiro lugar com
esquetes cômicos que expõem populares
desavisados a situações constrangedoras. Venceu a Globo por 15 minutos.
João Kléber conseguiu dobrar o público do "Canal Aberto", da Rede TV!, depois de trocar as habituais tragédias e
aberrações pelas mesmas pegadinhas
que exibe no "Eu Vi na TV". Rinaldi (Gazeta), Sérgio Mallandro e Luciana Gimenez (ambos da Rede TV!) também têm
picos de audiência com a receita de um
dos pioneiros no gênero, o extinto (por
ora) "Topa Tudo por Dinheiro", do SBT.
"Tudo isso que estão fazendo aí eu já
fiz", diz Ivo Holanda, um dos primeiros
atores a fazer pegadinhas na TV brasileira. Hoje fora do ar, ele não disfarça a
amargura ao dizer que o grito de socorro
-"produção!"- é de sua "autoria".
Holanda e Gibe, seu ex-colega no "Topa Tudo", dizem ter recusado convite do
"Programa do Rinaldi" por questões
monetárias. Em média, cada ator de pegadinha ganha R$ 200 por uma tarde irritando pessoas nas ruas ante uma câmera escondida.
Alguns, porém, têm seus passes valorizados. Kléber festeja as performances de
Marco Antônio Martini, 54, ex-palhaço
de circo cuja capacidade de improviso
salta aos olhos de quem assiste; do jornalista Renné Navarro, 38, que foi à emissora atrás de um emprego na redação e
acabou como ator de pegadinha graças à
sua habilidade de gritar no ouvido
alheio; e do ator Gabriel Fioravanti, 27,
que sonha fazer novelas na Globo e é perito em questionar a sexualidade de desconhecidos nas ruas.
"Temos que ter cara-de-pau e coragem", diz Renné, lembrando que o ápice
da atração é quando o ator é agredido fisicamente. "Para apanhar, é só chamar o
cara de trouxa ou de otário", ensina Martini, dizendo que já ficou sem poder sentar por causa dos pontapés tomados numa tarde de labuta. "Homem dá chute;
mulher mete a unha na gente", diz.
Sequestro
"O ator é uma falsa vítima, porque está lá para se prestar a tudo", diz Eugênio Trivinho, professor de
Comunicação da Universidade Católica
de Santos (SP) e autor do livro "Contra a
Câmera Escondida - Estruturas da Violência Soft". Para ele, a "brincadeira" tem
a mesma estrutura de um sequestro.
"A equipe fica à espreita, observa e escolhe sua vítima, que é atraída e levada a um altíssimo grau de estresse. Esses programas prestam um desserviço à cidadania e não oferecem exemplo ético à convivência em sociedade", afirma.
Enquanto a audiência sobe, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados, que lançou a campanha
"Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania" e teve sua primeira reunião na
última quarta-feira, questiona os efeitos
que as pegadinhas têm sobre o público.
A psicanalista Ana Cristina Olmos, 49,
integrante da Comissão, há 15 anos estuda a repercussão da TV sobre crianças e
adolescentes e diz que as pegadinhas são
um modelo de comportamento. "O telespectador ri da vítima, mas, para defender-se da sensação de ridículo, acaba
se identificando com o agressor", diz ela.
Modelo light
"Meu programa é
família, e nossa pegadinha é pastelão",
diz o apresentador Rinaldi, que assustou
os moradores de uma rua com a cena de
uma pessoa enforcada. Com 20 minutos
a mais de esquetes por programa, em janeiro, sua audiência média, que era de
1,5 ponto, chegou a 5,8 (cada ponto equivale a 47 mil domicílios na Grande SP).
Mas ele afirma que vai voltar ao antigo
formato. "Não quero ser um apresentador de pegadinhas."
"As nossas sátiras são inocentes", diz
João Kléber, afirmando que, com o sucesso, alguns anunciantes da Rede TV!
querem patrocinar o quadro. "Quero fazer uma indústria de pegadinhas sem
mostrar bunda de mulher", diz ele.
Mesmo quando não são violentas ou
estressantes, as pegadinhas, segundo a
psicanalista Ana Olmos, têm efeito nocivo. "Há as mais ingênuas, que estão mais
para brincadeiras, mas aquelas que marcam mesmo são as que constrangem alguém", diz ela.
Apaixonado por seu trabalho, Cláudio França, 42, cria e dirige as situações do
"Superpop", da mesma emissora de Kléber, e atua quando necessário. França,
que também surpreende incautos anônimos, tem talento especial para pegar os
famosos. Ele é o único a dizer que paga
para que as vítimas autorizem por escrito a veiculação das imagens.
"O cachê vai de R$ 20 a R$ 1 mil. Já paguei R$ 2 mil para um jornalista que deixou meu ator com hematomas no olho.
Na semana passada, paguei R$ 1 mil para
um cara que deu um murro na boca do
meu ator", afirma ele, dizendo que o ator
"está lá para isso". Ele próprio, aliás, afirma já ter chegado em casa com as roupas
rasgadas, o lábio inchado e "mais de vinte arranhões nas costas."
Para o professor Eugênio Trivinho, o
fenômeno é lamentável. "A câmera oculta representa a violência das emissoras
contra a sociedade civil, e a autorização
das vítimas para a veiculação das imagens é um cheque em branco dado à
emissora, uma permissão que vai contra
a própria cidadania de quem autoriza",
diz ele.
A Band, a Rede TV! e a Gazeta afirmam
que suas pegadinhas não são agressivas,
apenas divertidas.
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