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São Paulo, domingo, 16 de março de 2003

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Mais um campeão de audiência

Associated Press - 27.fev.2003
O líder Saddam Hussein, do Iraque, durante entrevista concedida à rede norte-americana CBS neste ano


SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
ALESSANDRA VITÓRIA
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE LOS ANGELES

ESQUEÇA as imagens estáticas e mudas em fundo preto e um suarento general Norman Schwarzkopf apontando para risquinhos ilegíveis e lousas de giz com um bastão, que foram a marca registrada da Guerra do Golfo, em 1991. Se, e quando, acontecer, a Guerra do Iraque vai ser antes de tudo um espetáculo montado para agradar às emissoras de TV norte-americanas -leia-se, o público médio do país, que é, em última análise, o que preocupa a Casa Branca. Acostume-se com esta imagem: o general Tommy Frank, com uma farda impecável, atrás de um pequeno púlpito, sobre um palco montado no Comando Central dos Estados Unidos, no Qatar. Atrás e ao redor dele, US$ 1,2 milhão em design e equipamento de última geração. Sobre um fundo cinza, um mapa-múndi eletrônico de 12 metros mostrará as últimas movimentações. Cinco TVs de plasma de 50 cm, dois telões de 70 cm e relógios digitais comporão o ambiente. Com ar condicionado, claro. Só o equipamento do palco onde serão dadas as entrevistas coletivas à imprensa custou US$ 250 mil e foi mandado ao Qatar por Fedex (mais US$ 47 mil de despesas de envio). O desenho ficou a cargo do cenógrafo hollywoodiano George Allison, que trabalhou em filmes B. O Pentágono fechou um hangar no pequeno país árabe que serve de base para as operações militares dos EUA, e ali está montando o centro de imagens que devem influenciar corações e mentes do mundo todo via emissoras de TV. "Assim como a guerra, a mídia também mudou, e os militares têm de se adaptar aos novos tempos", disse James Wilkinson, diretor de comunicações do Comando Central. "O melhor é que saiu muito mais barato que uma única bomba", completou o cenógrafo Allison.

Jornalistas
De seu lado, as principais emissoras norte-americanas também não estão fazendo por menos. Até agora, mil jornalistas já estão baseados no Qatar -diferentemente de 1991, Bagdá deve ficar em segundo plano para a imprensa americana, devido a problemas de segurança. "Não é mais uma questão de "se" acontecer o conflito, mas de "quando'", afirmou Marcy McGinnis, vice-presidente de jornalismo da CBS, uma das cinco grandes dos EUA -as outras são ABC, NBC, Fox e, no cabo, CNN. Ela espera cobertura ininterrupta nas primeiras 24 a 72 horas que se seguirem à declaração de guerra. A rede planeja reportagens ao vivo ao longo do dia e programas mais longos no horário nobre, a exemplo da tática utilizada após o ataque de 11 de setembro de 2001, quando a cobertura se prolongou por quatro dias sem comerciais. Acontece que transmissão ininterrupta significa prejuízo. Se os EUA entrarem em guerra, estima-se que cada rede perca US$ 1 milhão por dia. Só a NBC calcula suas perdas em US$ 45 milhões. Na época do ataque às torres gêmeas, o prejuízo total das TVs chegou a US$ 1 bilhão. Mesmo assim, nenhuma delas quer ficar de fora, de olho no prestígio agregado pelo jornalismo televisivo em tempos de crises nacionais. Foi o que aconteceu com a CNN em 1991, quando saiu da Guerra do Golfo como potência por ter sido a única a continuar transmitindo de Bagdá mesmo depois dos bombardeios. Agora, a emissora de Atlanta não estará sozinha. Além da competição doméstica acirrada, principalmente com a conservadora Fox News, que a ultrapassou em audiência, terá de enfrentar a Al-Jazeera, do Qatar, a única a resistir em Cabul (Afeganistão) durante os ataques de 2002.

Equipamentos
A tecnologia também promete ser uma das estrelas do "espetáculo". Em menos de dez anos, o cenário de videofones com imagens sofríveis e satélites pesando toneladas deu lugar a equipamentos modernos.
Os satélites agora são portáteis e cabem numa valise, sem falar na praticidade das câmeras e monitores de alta definição e laptops com recursos de edição e telefones integrados. Toda a tecnologia, no entanto, não será recurso contra a censura.
Como a maior parte das emissoras terá o Pentágono como fonte única de informações, pode-se -e deve-se- esperar manipulações e meias-verdades. "Duvido que a imagem de uma iraquiana carregando uma criança morta seja veiculada nos canais de TV dos EUA", disse o jornalista e escritor Phillip Knightley.
Australiano, ele é ex-repórter do "Sunday Times" e autor de "The First Casualty" (A Primeira Vítima), sobre o declínio da reportagem de guerra independente. "Num conflito como anuncia ser esse, a notícia morrerá na intenção", afirmou.


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