São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 2001

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JOVENS PARA SEMPRE

Fagundes "envelheceu" 25 anos na novela das 8 e só ganhou cabelos brancos; TV não costuma investir na caracterização da passagem do tempo

Novelas guardam personagens no formol

Divulgação/TV Globo
Félix (Antonio Fagundes) na primeira fase da novela "Porto dos Milagres" (à esq.), com uns 30 anos de idade, e cerca de 25 anos depois

CLÁUDIA CROITOR
DA REPORTAGEM LOCAL

É MELHOR que qualquer creme ou tratamento de beleza. Cerca de 25 anos se passam e nada de rugas, flacidez ou quilinhos a mais. Apenas alguns cabelos brancos, talvez, para dar um ar de "maturidade". O segredo da juventude: fazer parte de uma novela ou minissérie.
Protagonistas de tramas como "Porto dos Milagres", a novela das oito da Globo, ou "Os Maias", minissérie exibida pela emissora, conseguem a dádiva sonhada por muitos: não envelhecem. Mudam as épocas, as crianças crescem e tornam-se adultos, mas os personagens continuam com a mesma cara.
Em "Porto", os "agraciados" não são poucos: Antonio Fagundes, Cássia Kiss, José de Abreu, Arlete Salles, Fulvio Stefanini, Luíza Thomé. A trama não tem uma data definida -desculpa para deslizes como o roubo de uma moderna van no primeiro capítulo, no que devia ser os anos 70-, apenas passa-se em duas épocas diferentes. Mas essas épocas são separadas por, aos menos, 25 anos, tempo mínimo necessário para que o personagem Guma, que nasce na primeira fase, torne-se Marcos Palmeira (que, na vida real, tem 37 anos).
"O tempo não importa, a novela é atemporal. E, depois que muda de época, passados três capítulos, o telespectador não se lembra mais de como os personagens eram antes", afirma Ricardo Linhares, autor da trama.
Marcos Paulo, diretor da novela, tem o mesmo discurso. "Não estamos falando de um passado muito distante, e os atores da segunda fase atravessam o tempo e vivem, no presente, os conflitos criados no passado."
Quem mais se beneficiou com a passagem do tempo foi Adma, personagem de Cássia Kiss. Depois de envelhecer cerca de 25 anos, tudo o que mudou foi seu cabelo, que era castanho claro e ficou preto e curto. É quase impossível notar algum sinal de envelhecimento.
"De fato, acho que a Cássia acabou parecendo mais nova com o novo corte. É que ela não quis fazer umas mechas grisalhas no cabelo", conta o maquiador Vavá Torres, um dos responsáveis pela caracterização dos personagens em "Porto dos Milagres".
"Quando a primeira fase da novela, no passado, é mais curta, tentamos rejuvenescer os atores, para que não seja preciso envelhecê-los por todos os meses seguintes, o que é quase impossível, tamanho o trabalho que isso dá", diz Luis Ferreira, que tem a mesma função de Torres. "Tornar jovem é complicado. Geralmente, pintamos o cabelo e usamos pó e base para diminuir as rugas."
É o que foi feito com Antonio Fagundes, que, mesmo já sendo cinquentão na vida real, precisava aparentar algo em torno de 30 anos na primeira fase da novela. O ator escureceu o cabelo -com uma tintura importada dos EUA especialmente para isso- e pôs bigode falso.
"Acho que meu cabelo, que já é quase branco, dá o efeito necessário de envelhecimento. Não faz diferença se não parece que envelheci quase 30 anos, é uma convenção. O público entende que passou o tempo e isso basta", diz Fagundes.
Por causa do trabalho dispendioso, poucas produções arriscam um envelhecimento tão convincente como o que foi feito com Regina Duarte em "Chiquinha Gonzaga", quando a atriz usou uma máscara de silicone para ter a aparência de uma senhora de 87 anos. Já o intérprete de seu amante, Carlos Alberto Ricelli, ficou com a mesma aparência desde que Chiquinha era interpretada por Gabriela Duarte, filha de Regina na vida real.
Em alguns casos, não ocorre nem a mudança do cabelo depois de vários anos. Na minissérie "Os Maias", em que também se passam 25 anos entre uma fase e outra -com boa parte dos personagens participando de ambas as etapas- a mudança de época é quase imperceptível. Personagens como o de Eva Wilma (Maria da Cunha), Ariclê Perez (Maria da Gama), Myriam Muniz (Patrocínio das Neves) e principalmente o de Renata Soffredini (a governanta Gertrudes) continuam com a mesma aparência que tinham na primeira fase.
"Fiz um aplique grisalho no cabelo, que era colado com verniz, mas deu muito trabalho, porque tinha que recolocá-lo toda dia. Então decidi fazer umas mechinhas. Mas quase não aparece, por causa do chapéu que uso", conta Eva Wilma. "Procurei então me concentrar na postura da personagem, que mudou de uma fase para outra. Mas cada ator se virou como pôde", afirma a atriz.
A única personagem que mostrará os efeitos do tempo será Maria Monforte. A estreante na TV Simone Spoladore, de 22 anos, que só participou da primeira fase da série, será substituída no papel por Marília Pera, 57, que viverá a personagem já madura.
Mudando de cara
Usar atores diferentes para o mesmo personagem é um recurso bastante utilizado em novelas para indicar a passagem do tempo, como em "Mandala", "Tieta" e "Pedra sobre Pedra", por exemplo.
O recurso é usado especialmente em flashback, como ocorria em "Laços de Família". Às vezes, mesmo em lembranças, esse método é deixado de lado, dando origem a cenas antológicas, como em "Rainha da Sucata", em que Regina Duarte interpreta sua personagem (que tinha cerca de 40 anos) em seu baile de formatura, e sua caracterização se resumia a um vestido bufante.
Mas nem sempre trocar de ator dá certo. Na novela "Os Imigrantes", exibida pela Bandeirantes em 1982, alguns personagens foram interpretados por mais de um ator. Só que os escolhidos não tinham nenhuma semelhança entre si, como o loiro José Parisi Jr., substituído pelo moreno João Signorelli.




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