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CRÍTICA
No ar, a República Tabajara
FERNANDO DE BARROS E SILVA
Crítico de TV
Já tem até tucano meio arrependido achando que o Brasil não é
mais legal, que perdeu a graça.
Também na TV, depois que o
programa de Regina Casé foi domesticado, mudou de nome e se
transformou numa espécie de
muvuca entre amigos, centrado
no próprio umbigo, uma versão
modernosa ou alternativa do quadro "Intimidade", da Xuxa, parecia não haver mais nada digno de
nota, no bom sentido, na Globo.
Mas há. Não é de hoje que o
"Casseta & Planeta" se transformou na opção ao mesmo tempo
mais divertida e inteligente da TV
aberta. Em parte, certamente,
porque eles próprios melhoraram, ficaram mais sofisticados e
certeiros; em parte, talvez, porque
o país tenha piorado, ampliando
o leque de horrores passíveis de
tratamento humorístico.
Há, de qualquer forma, um início de clima de revanche do país
contra a sua própria boçalidade,
uma desconfiança saudável das
promessas da moeda forte e das
ilusões da modernidade, uma
vingança de "Bundas" contra
"Caras". Não é a política, em sentido estrito, que o humor começa
a pôr em xeque, mas um estilo de
vida, o espírito de uma época que
tentamos assimilar, de maneira
espalhafatosa, como de hábito.
Em novembro de 97, escrevi
uma coluna a respeito do "Casseta". Questionava o espírito de
porco do grupo, a forma com que
avacalhavam tudo e todos, e sugeria que na economia interna da
Globo o programa poderia funcionar como válvula de escape
oposicionista para compensar a
vocação adesista da emissora (aos
poderosos de turno).
Tenho hoje muitas dúvidas a
respeito do teor "conspiratório"
da análise e me arrependo especificamente de ter dito que eles às
vezes eram "quase fascistas".
Humor e correção política definitivamente não formam par e,
bem pesadas as coisas, há muito
mais barbaridades e preconceitos
contra negros, homossexuais e
pobres em programas humorísticos popularescos, do tipo "Trapalhões", "A Praça É Nossa", "Escolinha do Professor Raimundo" e
similares do que no escracho deslavado dos "cassetas".
Dentro do humor brasileiro,
eles significam um choque de realidade, uma revolução modernizadora num ambiente que durante muito tempo ficou sob o controle fossilizante de três ou quatro
barões e suas fórmulas prontas.
Intriga, de qualquer forma, que
tenham o espaço que têm -uma
vez por semana em horário nobre- para dizer o que dizem e sobre quem dizem justamente na
Globo. Sabe-se que nada na emissora é gratuito e que até a respiração dos apresentadores dos telejornais é controlada com lupa e
monitorada com mãos-de-ferro.
O sucesso de audiência não explica tudo. Seria fácil para a Globo
encontrar um programa menos
porra-louca para substituí-los.
Mas a aparente liberdade do humor que não poupa ninguém e se
dirige sobretudo contra os poderosos nem sempre resulta na esculhambação de todos os personagens que estão na berlinda. A
metralhadora giratória parece às
vezes ser estranhamente seletiva.
E aqui novamente as coisas se
complicam. Tome-se o programa
da última semana. Piadas sobre o
Paraguai e a farra do contrabando
na fronteira, gozações em cima de
Galvão Bueno e do técnico "Desfilei Luxemburgo", chacotas em
torno do "Mister PM" (uma maneira explícita de ridicularizar o
"Fantástico" e dizer ao mesmo
tempo que a polícia por aqui é
corrupta e gosta de tortura) -a
lista de alvos é extensa e aparentemente mexe com gente e interesses nada desprezíveis.
A maior vítima do programa,
porém, continua sendo o presidente da República. Ele aparece
no orelhão ostentando a sua faixa.
Uma voz pergunta: - É de Brasília? E o cover de FHC responde:
- Meu filho, não sei se você sabe,
mas os telefones do Brasil mudaram. Se você quiser falar com
quem manda, agora tem que ligar
pra Bahia.
Surge então o slogan da "Tabajaratel", uma delícia de escárnio.
O país retratado pelo "Casseta"
parece mesmo uma imensa Tabajara. Nada funciona, tudo dá errado, tudo é motivo para chacota e
frustração. O presidente, como a
república, é um banana. E ACM?
Por que não tripudiar também
sobre "painho"? Não é ele, afinal,
quem manda? Vendo o programa, fica-se com a sensação de que
é muito mais fácil (ou menos arriscado) achincalhar o presidente
e a república dos tucanos do que
importunar o imperador da Bahia e seus domínios.
Tudo bem, o senador já entrou
na dança de maneira mais explícita, e até num programa recente,
mas nada parecido com o que
ocorre em relação a FHC, por
quem a turma do "Casseta" já
perdeu as últimas migalhas de
consideração há algum tempo.
FHC estaria se "sarneyzando"
ou antes é o país que estaria se
"aceemizando"? Como uma hipótese não exclui a outra, pode-se
pensar que ambas as coisas fazem
sentido, e que até a turma da vanguarda do humor carioca, apesar
de todo o seu desprendimento e
inteligência, está caindo no conto
do acarajé. O que não seria má
versão para a República Tabajara.
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