São Paulo, domingo, 18 de agosto de 2002

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COISA DE LOUCO!?

Para diretor, "TV Pinel tem mais ética que qualquer "reality show"

Luiz Bettencourt/Folha Imagem
Equipe da TV Pinel grava programa na praia Vermelha, no Rio



Projeto de hospital psiquiátrico do Rio que produz programas exibidos pela TVE/Rede Brasil comemora seis anos


CARLA MENEGHINI
DA REPORTAGEM LOCAL

"OLHE PARA essa televisão de hoje em dia. Depois, a gente é que é louco!", diz, referindo-se à febre dos "reality shows", Bárbara Conceição Dias, 32, integrante da equipe da TV Pinel, projeto do Hospital Psiquiátrico Philippe Pinel, em Botafogo (zona sul do Rio), que está completando seis anos.
Exibidas na TVE/Rede Brasil, sextas-feiras, às 21h30, dentro do programa "Canal Saúde", e no canal Comunitário do Rio de Janeiro, da NET, as produções dos pacientes -ou usuários, como preferem ser chamados- têm regras éticas claras: só é mostrado aquele que autorizar o uso de sua imagem e internos em crise não podem ser filmados em nenhuma hipótese.
"Essas pessoas não são responsáveis por seus atos e podem ser discriminadas no futuro se forem expostas", diz a psicanalista Cláudia Corbesier, coordenadora-geral da TV Pinel.
"Aqui a regra de ouro é o respeito: não há interesse em levar ao ar imagens ou discurso que possam ofender ou denegrir alguém. Não queremos nos promover às custas de ninguém. A TV Pinel tem mais ética que qualquer "reality show'", afirma o produtor Valter Filé, diretor da ONG "Imagem na Ação", que dá suporte técnico ao projeto.
"Aprendi que falar mal dos outros não leva a nada. A gente tem de ter muita responsabilidade quando fala na TV", diz a usuária Jaqueline Batista, integrante da equipe desde sua criação, em 1996.
A TV Pinel tem dois objetivos distintos: mostrar à sociedade uma nova imagem, livre de preconceitos, da dita "loucura" e servir de ocupação terapêutica aos usuários e internos do hospital. "O humor é o principal elemento da produção, e nada melhor do que rir de sua própria loucura para vencê-la", diz Filé.
Num dos programas, gravado em uma praça pública, a usuária Bárbara monta uma banca de camelô onde "vende" camisas-de-força como se fossem peças da moda. Em outro, "A Endoidada", o elenco faz uma sátira à novela "A Indomada", da Globo, exibida em 1997. Em "Loucotidiano", pacientes do hospital são entrevistados sobre temas gerais. Em "Clipinel", são produzidos clipes de canções de autoria de pacientes ou sátiras a músicas famosas.
"Fazemos muita experimentação de linguagem; nossa matéria-prima é a loucura, que é a fuga dos padrões. Não somos submetidos ao ibope, nem ao merchandising. Somos livres dessas camisas-de-força", conta o produtor.
"Aqui não é definido o que é ficção e o que é realidade. Às vezes, nós fazemos telejornais só com mentiras, e, como atores, mostramos quem somos de verdade", diz Bárbara, que viu suas crises diminuírem após entrar para a TV Pinel.
Ela conta que, quando chegou ao Philippe Pinel, há dez anos, sonhava ser atriz. Atualmente, é mentora e atua na maioria dos programas da TV Pinel. "Participei de muitos testes para a Globo e posso dizer que aqui as pessoas são mais humanas."
"A participação no projeto não faz milagre, é claro, mas é visível a estabilidade emocional que essa produção dá aos pacientes; eles redescobrem a criatividade e recuperam a dignidade, pois adquirem direitos, deveres e são pagos pelo trabalho", diz a coordenadora-geral.
Os seis usuários que são membros fixos da equipe e dão suporte à participação de toda a comunidade do hospital recebem uma bolsa-auxílio de R$ 120 e vale-transporte. "Hoje, quando me perguntam o que eu sou, eu respondo: trabalho com TV", diz Jaqueline Batista.



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