São Paulo, domingo, 18 de outubro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TV NO MUNDO

Daniella Perez, Bill Clinton e a mídia

ESTHER HAMBURGER
especial para a Folha

Crimes em novelas costumam ter resolução clara e definitiva. Ao final do suspense, sempre se sabe quem matou e como. O mesmo não vem ocorrendo com os crimes que acontecem fora da TV.
O relaxamento da pena de Paula Thomaz e o indiciamento do presidente Bill Clinton são dois exemplos da mesma embananação que ronda a relação nem sempre óbvia entre o que se torna visível e o que é considerado verdadeiro.
Cinco anos depois, o caso Daniella Perez continua sem solução. Até hoje não se sabe quem matou Daniella, se ambos ou somente um dos dois acusados. Tampouco se conhece ao certo a mecânica do crime. Mas Paula Thomaz conquista o direito de ficar em regime de prisão semi-aberta graças ao bom comportamento demonstrado durante o cumprimento de apenas um sexto da sua pena. O advogado de Guilherme de Pádua pede a anulação do julgamento.
Antecipando um desdobramento que já se previa, Glória Perez encabeçou uma campanha pela alteração do código penal no sentido justamente de evitar que os responsáveis pelo assassinato de sua filha pudessem ser libertados antes de cumprir a totalidade da sua pena.
Mas a indignação pública amplificada pela lente das câmeras de televisão esbarrou na prepotência discreta do sistema judiciário. O Código Penal não foi modificado. O crime não foi propriamente desvendado. Os magistrados, à época ofendidos pelos excessos cometidos por uma cobertura jornalística que, como bem apontou na ocasião o então ombudsman da Folha, Mário Vitor dos Santos, por vezes se antecipou ao julgamento, condenando os acusados em repetidas simulações de hipotéticas versões do crime, agora se vingam, seguindo à risca a lei, com o agravante de uma retórica preconceituosa.
No escândalo sexual de Bill Clinton o excesso de detalhes íntimos alimenta uma cobertura que constrange a opinião pública que resiste bravamente ao que Carlos Fuentes, em artigo reproduzido na Folha de domingo, classificou de "golpe político armado pela direita fundamentalista", que teria financiado e instrumentalizado o promotor Kenneth Starr.
No caso Daniella Perez, o judiciário carioca procura se impor perante a mídia. Mesmo que assim revele sua anacrônica natureza ineficiente e ideológica. No caso Monica Lewinsky, a promotoria usou a mídia como aliada, vazando informações confidenciais.
A Presidência dos EUA está imobilizada em um momento em que a crise econômica mundial pede o posicionamento do líder capitalista. É a acefalia e o descontrole das instituições de um sistema que há 200 anos se pretende movido por uma lógica racional utilitária. E que ameaça agonizar sob as ameaças de fanatismos ascéticos.

E-mail: ehamb@uol.com.br



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.