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CRÍTICA
Gugu ou "Tropicália 3"
FERNANDO DE BARROS E SILVA
Editor interino de Opinião
Muita gente manifestou
espanto diante da aparição
de Caetano Veloso no
"Domingo Legal", de
Gugu Liberato, na semana
passada -e como atração
nobre, exibida estrategicamente entre a star "pornolight" (Tiazinha) e os
salmos edificantes do reverendo pop (Marcelo
Rossi).
O conjunto da obra levado ao ar por Gugu, no entanto, é retrato concentrado e fiel do que se passa
hoje com a cultura brasileira, e não deveria mais
espantar quem acompanha com alguma regularidade sua dinâmica.
É bem provável que muito da reação negativa suscitada pela presença de
Caetano naquele ambiente
se deva a um sentimento
de traição. Sobretudo em
certa classe média, que
cresceu tendo no compositor e no tropicalismo
uma espécie de referência
de cultura e civilização alternativas, cujo esquerdismo difuso sempre foi mais
comportamental do que
propriamente ideológico.
Caetano poderia objetar
a esses pequenos-burgueses órfãos de seu ídolo que
o problema não é seu, mas
deles. Afinal, trata-se um
programa popular e de
massas como outro qualquer, e ele mesmo, Caetano, já fazia esse tipo de intervenção em pleno furacão tropicalista, quando
frequentava a "Buzina do
Chacrinha". Sim e não, e é
esse o ponto.
Havia uma ambiguidade
na atitude tropicalista, que
hoje passa apenas por iconoclasta, quando, na verdade, também alinhava
numa boa com o comercialismo da indústria cultural em nome de um modernismo requentado de
tintas internacionalistas.
Os adversários do tropicalismo eram menos a direita e o regime militar do
que a esquerda ortodoxa,
ingênua, careta e nacionalista, de Geraldo Vandré
até, quem sabe, Chico
Buarque.
Veja-se o que Caetano
escreve sobre Chacrinha
em seu "Verdade Tropical": "Agredindo com
humor, mas sem humilhar
verdadeiramente os calouros pobres e ignorantes
que eventualmente ele interrompia com uma buzina (...), intrometendo-se
nos números musicais de
estrelas consagradas, atirando bacalhau na platéia,
Chacrinha era um fenômeno de liberdade cênica -e
de popularidade. Seu programa tinha enorme audiência e, como se fosse
uma experiência dadá de
massas, às vezes parecia
perigoso por ser tão absurdo e tão energético" (...)
Fiz aparições espalhafatosas no Chacrinha cantando "Tropicália" e "Superbacana", além de "Alegria,
Alegria'".
Pois bem. A ambiguidade de Chacrinha se resolveu historicamente em
Faustão, Ratinho e Gugu
Liberato. São esses os herdeiros do homem engraçado que lançava bacalhau
contra a cara dos pobres. E
a ambiguidade tropicalista, por sua vez, se resolveu
na sua incorporação dócil
pela cultura hegemônica, a
ponto de servir como referência para a pior música
produzida em linha de
montagem e colaborar para legitimar esse festival de
caça-níquel selvagem que
são os programas de auditório.
Caetano parece muito à
vontade com esse destino e
até o estimula. Não vê problemas em cantar no especial de Natal da Angélica,
em dedicar canções para
Sasha, em abrir a casa para
"Caras", em animar o auditório do Gugu.
Ao mesmo tempo em
que participa desse circuito degradado da indústria
-e não mais popular, como ele supostamente queira-, é alçado à condição
de intérprete maior da cultura nacional. Não é à toa
que foi citado no discursos
de posse e eleito símbolo
cultural do país por FHC.
Pelo que fizeram e desfizeram pelo Brasil, ambos se
completam e se merecem.
E-mail: fbsi@uol.com.br.
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