São Paulo, domingo, 27 de outubro de 2002

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CRÍTICA

A propaganda eleitoral ficará

EUGÊNIO BUCCI

É possível que hoje, no ato do voto, o eleitor sinta um alívio. É possível que expire um "ufa, acabou" enquanto aperta a tecla "confirma". Nada mais compreensível. Todos estão muito cansados. A começar pelos candidatos e seus assessores, que, a essa altura, já não sonham com o poder, mas com um bom spa. Os mercados, esses seres mitológicos antropomorfizados, dotados de humores neuróticos, dados a nervosismos estressantes, estão exaustos. E também sonham, como se fossem humanos, como se fossem candidatos: eles sonham com uma clínica psiquiátrica onde tomem dólar barato na veia e consigam dormir tranquilamente. Mais do que todos, enfim, quem anda fatigado é o eleitor ou, mais exatamente, o telespectador. É ele quem acaba carregando tudo nos olhos. Está no limite de suas forças.
Outdoors, carreatas, bandeiras nas calçadas, bandeiradas na cabeça (quem nunca levou uma bandeirada ao andar pela cidade?) e, pior, a propaganda eleitoral gratuita na TV. Não só nos horários fixos. Nos aleatórios também. Os intervalos comerciais foram tomados pelas mensagens dos candidatos. O telespectador virou uma vítima enjaulada, e as grades da jaula são feitas de propaganda eleitoral gratuita. São grades móveis, que seviciam os olhos, que têm mãos permissivas avançando contra o corpo do prisioneiro. E que têm voz, uma voz gutural e desesperada: "Venha cá, me dê seu voto, me dê seu coração, me dê o seu desejo". O telespectador mal respira. Por isso, quando apertar a tecla "confirma", ele pode, sim, experimentar um prazer de alívio, que é também um prazer de liberdade. "Chega! Acabou!"
O problema é que será um alívio ilusório. A verdade, talvez triste, é que a propaganda eleitoral não acabará coisa nenhuma. O horário eleitoral propriamente dito sairá do ar, por certo, e ainda bem, mas o discurso publicitário dos candidatos estará cada vez mais presente, agora como discurso dos governantes. Estará cada vez mais na imagem oficial dos governantes.
A propaganda eleitoral tende a tornar-se um gênero publicitário menos sazonal e mais permanente. Sua linguagem é cada vez mais chamada a dirigir não apenas a comunicação dos candidatos, mas a própria ação dos governantes. Governar sempre foi um pretexto que os governos têm para fazer propaganda de si mesmos. As obras públicas são úteis apenas para emoldurar as placas com os nomes daqueles que as inauguram. Sempre foi assim. Pelas placas, e pela mentalidade que elas encerram, a dos palanques de inaugurações, os governantes fazem comício mesmo quando não é temporada de comício. Essa é a lógica. Agora, no entanto, na era da imagem eletrônica, as placas de obras adquirem vida própria e voam dentro da TV mesmo que as obras não estejam prontas, ou não funcionem, ou simplesmente não existam. Governar, que antes passava por obras sociais ou urbanísticas, pois elas davam suporte à propaganda, resume-se hoje a simplesmente fazer propaganda, sem ter de passar pelas obras. A grande obra de um governo é sua publicidade. É para aí que correm volumes maiores de dinheiro público.
Dizem que a publicidade despolitiza a política, o que é verdadeiro. Despolitiza a campanha eleitoral e também o ato de governar. A administração pública e o próprio poder deixam de pertencer ao campo da cidadania, em que predominam conceitos como o de legitimidade, e passam a pertencer ao campo do mercado, onde predominam conceitos como o de popularidade. Um presidente já não se mede pela legitimidade dos seus atos, mas pela popularidade de sua imagem, como um astro de rock ou uma marca de sabão. Política de mercado é isso aí. Aliás, marketing político significa exatamente isso, política de mercado.
A propaganda eleitoral vem substituir a ideologia. Vai ficar aí por uns tempos.



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