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ANÁLISE
Opções, vontades e pesquisas
NELSON HOINEFF
especial para a Folha
Os institutos de pesquisa
prometem para o início de
99 os primeiros números
sobre o desempenho da
TV paga e, com eles, uma
grande polêmica. O projeto engloba períodos mais
longos do que o minuto a
minuto, mas ainda assim
usa métodos de medição
quantitativa.
Seria o mesmo que medir
a quantidade de chuva e
inferir que, quanto mais,
melhor para a agricultura
- não importa onde a ela
caia, em que época e em
que tipo de plantação.
Em primeiro lugar porque pesquisas de audiência
aferem reações, o que nada
tem a ver com vontades.
Mas essas reações, que
mais tarde acabarão por
estimular as vontades, ficam limitadas pelo próprio
conjunto das ofertas televisivas. O espectador deixa
de perceber que o seu leque de possibilidades
transcende em muito o repertório em relação ao
qual sua resposta está sendo medida.
A TV paga nasceu justamente para abrir esse leque, estender o conjunto
de possibilidades do produtor e combater o modelo massificante implantado pelas grandes redes
abertas.
No mês passado, pela
primeira vez, o conjunto
de canais a cabo suplantou
em audiência a soma das
redes abertas nos EUA. Na
participação anual, a diferença caiu 18 pontos: as
quatro grandes redes abertas agora tem 55,3%, contra 38,5% do conjunto dos
450 canais a cabo.
Esses canais são distribuídos por 3.000 operadores. A escolha de um desses
operadores passa pelo
equilíbrio do cardápio de
canais que é oferecido ao
consumidor. O desempenho de cada canal, então,
não pode ser medido pelo
número de espectadores
que estão ligados a ele, mas
pela sua importância para
a decisão do público na escolha do operador.
Há bons canais feitos ou
montados no Brasil. Multishow, Superstation, Eurochannel são exemplos
disso. Na maioria das vezes, no entanto, o line up
de operadores brasileiros
tem promovido a sistemática incorporação de linguagens, modelos e valores da TV aberta. Abandonam a possibilidade de
segmentar (que aponta para o novo) para fragmentar
o que já é conhecido, seguro.
Há sete anos, Russell
Neuman já apontava para
a questão: "Ao multiplicarmos o número de canais por dez devemos entender se vamos multiplicar por dez as áreas de interesse hoje existentes ou
se, ao invés disso, vamos
fragmentar o seu público
uma dezena de vezes"
("The Future of Mass Audience", Cambridge, 91).
Nos EUA, o line up responde a essa questão com
centenas de canais voltados para uma gama variada de interesses que vão no
sentido oposto à necessidade de generalização promovida pelas emissoras
abertas.
Uma pesquisa quantitativa tiraria tudo isso do ar.
Induziria o espectador a
acreditar que um canal é
tão melhor quanto mais
ele se pareça com uma
grande rede aberta - porque bom mesmo é o que a
gente já conhece.
O problema é que todos
os estudos modernos
apontam em outra direção. As teorias contemporâneas do espectador reconhecem a existência de cabeças pensantes em frente
ao aparelho. "Os consumidores passivos são espantalhos que caíram em
desuso", lembra Daniel
Dayan ("En Busca del Publico", Gedisa, Barcelona,
1997). John Corner mostra
que a agenda de pesquisas
sobre o poder dos meios
"não está mais dominada
pelo tema da oferta, mas
pela proliferação de trabalhos relativos à demanda". ("Meaning, Genre
and Context", Edward Arnold, Londres, 1991).
E, no entanto, pesquisas
de audiência simplesmente não consideram a demanda. Podem concluir
que os telespectadores preferiram ver o Ratinho a
qualquer das outras opções disponíveis naquele
momento - mas de forma
alguma indicam que o Ratinho seja o seu ideal de
consumo televisivo.
A crença de que os institutos possam interpretar,
não a opção, mas o desejo
do telespectador brasileiro, é responsável não apenas pela baixa qualidade
média da televisão, mas até
pela crise econômica que
todas as emissoras abertas
dizem estar enfrentando.
A TV brasileira tem falhado na compreensão da
real demanda do seu público. Às vezes não percebemos isso e acreditamos
que os institutos estão interpretando a nossa vontade. Não nos espantamos
com o fato de 70 milhões
de brasileiros assistirem ao
mesmo tempo à mesma
novela -já nos acostumamos com essa distorção. O
mercado sugere o contrário: a receita publicitária
da TV paga aumentou
22,3% este ano nos EUA,
contra 3,3% da TV aberta.
Este é, então, o momento
de nos espantarmos com a
idéia de que uma programação segmentada seja
aferida por métodos quantitativos. Ou fazemos isso
agora, ou daqui a dois anos
vamos amargar uma TV
paga cada vez mais parecida com a TV aberta, individualmente mais pobre e
fragmentada em 50 clones.
NELSON HOINEFF é jornalista, diretor e produtor de TV, autor de "TV em
Expansão" (ed. Record) e "A Nova Televisão" (ed. Relume-Dumará).
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