São Paulo, domingo, 28 de junho de 1998

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TV NO MUNDO
EUA cultuam atores-personagens

ESTHER HAMBURGER
especial para a Folha, em Austin

A TV americana está repleta de programas protagonizados por atores que representam a si próprios. "Seinfeld", estrelado pelo ator Jerry Seinfeld, e "Ellen", centrado na personagem de Ellen DeGeneres, são os exemplos mais recentes de uma convenção que vem de longe.
Juntamente com outros clássicos, como Lucille Ball, de "I Love Lucy", ou os Nelson (pai, mãe e dois filhos), do programa "The Adventures of Ozzie and Harriet", assunto de documentário especial no último domingo, esses exemplos contemporâneos fazem parte de uma tradição na televisão americana: a de que os seriados dão acesso à "vida real" de atores-personagens.
Ozzie, Harriet, David e Ricki Nelson fizeram carreira em torno de um programa que representou a primeira família da TV americana, a família ideal dos anos 50. A época era o pós-guerra e os tempos, de prosperidade e harmonia. "The Adventures of Ozzie and Harriet" teve início no rádio e foi ao ar semanalmente durante 14 anos, entre de 1952 a 1966.
Os Nelson eram a família perfeita. Um pai atencioso, bastante presente em casa, sem ocupação muito definida. Uma mãe dedicada e dois ótimos rapazes viviam basicamente sem atritos. A emoção do show vinha de pequenos eventos corriqueiros. E do tempo. Os dois filhos do casal cresciam a cada episódio.
Ricki, o caçula, se revelou não só um ator nato como um roqueiro de talento. Em seus últimos anos, a "sitcom" familiar sobreviveu às custas de discos e shows. Mas, depois que o show acabou, o público rejeitou um Ricki que cresceu e escapou à imagem do caçula de Ozzie e Harriet.
O documentário do canal a cabo A&E procura desconstruir o modelo de família perfeita representado pelos Nelson. Afinal, longe de um pai desinteressado pelos negócios, Ozzie possuía tino comercial. Ele inventou e manteve o show às custas da educação escolar de seus filhos. Harriet deixou a vida boêmia e uma carreira no cinema para representar a esposa perfeita.
Essa tradição americana do ator-personagem torna verossímil a história de Truman Burbank (Jim Carrey), o personagem "real" involuntário de um programa de televisão ininterrupto de que trata o filme "The Truman Show", de Peter Weir.
É como se ao nomear o personagem com o nome do ator, que não raramente também produz e até redige, as "sitcoms" se aproximassem de modelos ideais de comportamento.
As "sitcoms" acompanham as mudanças de costumes. O modelo família unida, sem divórcio ou fragmentação dos Nelson (e também de Truman), já não faz sentido para o eternamente solteiro Seinfeld, ou para a homossexual assumida Ellen, dois personagens também em vias de perder a atualidade.


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